Falar sobre ética no campo terapêutico incomoda. Quem vive disso sabe. É mais confortável falar de propósito, acolhimento, expansão. Mas nenhuma dessas palavras sustenta um trabalho sério se não houver ética no que se faz, no que se comunica e na forma como se lida com quem confia no seu trabalho.
Este texto foi escrito por alguém que atende há anos, mentora terapeutas e também cuida da comunicação de muitos deles. Estou nos bastidores, na escuta e no dia a dia da prática de quem está construindo uma atuação verdadeira. E posso afirmar com clareza: muita gente está ferindo a ética sem nem perceber.
A ética profissional não é uma lista de regras. É um posicionamento interno que se expressa nas atitudes mais simples. Está na escuta que você oferece, na forma como conduz os atendimentos, na linguagem que usa para divulgar seu trabalho. Está nas suas decisões, inclusive naquelas que você acha pequenas demais para importar.
Há terapeutas bem-intencionados cometendo erros sérios. E há também quem use a estética do cuidado para manipular, seduzir, controlar. A expansão do mercado terapêutico abriu muitas possibilidades. Mas também revelou vaidades, negligências e improvisos que precisam ser enfrentados.
Eticamente.
A seguir, compartilho alguns pontos que considero fundamentais para qualquer terapeuta que leva seu trabalho a sério.
1. O cliente não é sua extensão emocional
Quem chega até você não está buscando sua opinião. Está buscando escuta. É sua responsabilidade não projetar, não interpretar a partir das suas dores, não transformar o atendimento em um espelho das suas próprias questões. Se você não consegue sustentar a neutralidade, precisa de supervisão. Não de autodefesa.
2. Exposição de histórias, mesmo que sem nome, pode ser antiética
Contar caso de cliente para ilustrar conteúdo é uma prática comum nas redes. Mas muitos fazem isso sem pedir autorização, sem alterar detalhes e sem refletir sobre o impacto disso para quem foi atendido. Sigilo não é só sobre omitir o nome. É sobre manter a integridade da experiência vivida.
3. Misturar vínculo afetivo e atendimento distorce a relação
Iniciar amizades, parcerias ou envolvimentos com clientes enquanto o processo terapêutico está ativo compromete a segurança da escuta. Não importa se o vínculo parece leve ou inofensivo. O lugar de terapeuta exige cuidado. Não é espaço para confusão de papéis.
4. A sua história pessoal não valida o que você aplica no outro
Você pode ter vivido algo transformador. Pode ter se curado com uma técnica, pode ter sentido alívio com uma prática. Isso não te autoriza a usar a mesma abordagem com outras pessoas sem critério, sem estudo e sem escuta. O que funciona para você pode ser invasivo para o outro. Terapia não é transferência de experiência.
5. Comunicação também é campo de responsabilidade ética
Usar linguagem sensacionalista, prometer cura, dizer que vai desbloquear a vida da pessoa em uma sessão, tudo isso pode atrair atenção, mas coloca sua prática em risco. E mais do que isso, coloca em risco quem confia no que você promete. Ética na comunicação não significa ser monótono. Significa ser coerente.
6. Formação não é propaganda.
Não é porque você tem um certificado que está pronta para atender. Quantidade de cursos não equivale à profundidade. Estudar é o mínimo. Aplicar exige maturidade. Se você tem dúvidas técnicas, insegurança constante ou sente que está improvisando, busque supervisão antes de seguir atendendo. Isso é respeito pelo seu cliente. E por você.
7. O terapeuta também precisa de terapia
É irresponsável atuar com a dor dos outros sem lidar com as próprias. Ninguém precisa estar resolvido para trabalhar com cuidado, mas precisa estar comprometido com o próprio processo. Atender sem olhar para si é um risco real. E não tem nada a ver com vocação. Tem a ver com preparo.
8. Ética também é recusar o que você não pode sustentar
Se alguém te procura com uma demanda que está fora do seu escopo, recuse. Encaminhe. Oriente com honestidade. Atender tudo, só para manter o cliente, fere diretamente o princípio mais básico do cuidado: saber os próprios limites.
9. O espaço terapêutico não é lugar para manipular a partir da sua verdade
Impor sua visão espiritual, seu código moral, suas crenças ou seu estilo de vida como regra dentro da sessão é desrespeito. O outro não está ali para ser conduzido ao que você acredita. Está ali para ser escutado no que ele precisa. Isso exige presença, não imposição.
10. Ética é o que você faz quando ninguém está vendo
Está no que você posta. Está na forma como lida com um cliente que se atrasa. Está no cuidado com os dados de quem te procura. Está na forma como você fala da concorrência. Está nas pequenas decisões. Aquelas que você toma sem ninguém saber. É aí que sua prática se revela.
11. Usar títulos ou formações para intimidar ou humilhar é uma distorção do lugar profissional
É cada vez mais comum encontrar terapeutas que também exercem outras profissões. Isso pode enriquecer a prática, ampliar repertórios e trazer referências importantes. O problema surge quando essas outras atuações são usadas como forma de hierarquizar relações ou desqualificar o outro.
A tentativa de impor autoridade por meio de um diploma, um cargo ou um título, especialmente quando isso ocorre em momentos de conflito ou desacordo, não reflete preparo. Reflete insegurança.
A carteirada, o tom condescendente ou a tentativa de deslegitimar o outro em nome de uma suposta superioridade profissional são atitudes que destoam completamente de uma postura ética. Quem se posiciona com firmeza não precisa diminuir ninguém para ser levado a sério.
Ser terapeuta é, também, saber sustentar o próprio lugar sem precisar invalidar o do outro. Isso vale para dentro e fora da sessão.
12. Interferir em tratamentos médicos ou psiquiátricos é ultrapassar um limite perigoso
Nenhum terapeuta está autorizado a recomendar, suspender ou interferir em medicações prescritas por médicos, ou psiquiatras. Essa atitude, além de antiética, pode colocar a vida da pessoa em risco.
Há relatos reais de terapeutas que, movidos por uma convicção pessoal ou por uma visão espiritualizada da saúde, orientaram clientes a interromper o uso de medicamentos. Em alguns casos, as consequências foram trágicas.
A sua função como terapeuta é acolher, escutar e, se necessário, encaminhar. A decisão sobre medicação pertence exclusivamente ao campo médico. Ultrapassar esse limite é agir com imprudência, por mais bem-intencionada que pareça a intenção.
Sustentar o lugar terapêutico é também reconhecer os limites dele.
13. A ética não se limita à sessão. Ela reflete na sua conduta na totalidade
A atuação terapêutica carrega uma responsabilidade que vai além do atendimento. Quem escolhe ocupar esse lugar precisa entender que sua postura no mundo também comunica. Isso não significa se tornar um modelo inatingível de perfeição. Mas sim compreender que há um compromisso com a coerência, com o cuidado e com a integridade, em todas as esferas da vida.
Existem situações em que a conduta pessoal e profissional de um terapeuta entra em contradição profunda com aquilo que se propõe a oferecer. Quando alguém desrespeita leis, pratica abusos ou age de forma antiética em outras frentes da sua vida, essa incoerência afeta diretamente a confiança que sustenta qualquer relação terapêutica.
Não se trata de vigiar a vida privada do outro, mas de lembrar que a autoridade simbólica que acompanha a função terapêutica exige responsabilidade contínua. A confiança é construída dentro e fora do consultório. E pode ser rompida por atitudes que revelam falta de maturidade ética, mesmo que ocorram longe dos olhos dos clientes.
14. Espiritualidade não justifica arrogância. Nem tempo de prática valida superioridade
Há profissionais que acumulam décadas de formação, vivências espirituais ou anos de prática meditativa, mas seguem tratando os outros com autoritarismo, desrespeito e ironia. Terapeutas que confundem liderança com controle, presença com imposição, experiência com vaidade.
A verdade é simples: maturidade espiritual não se mede por tempo de meditação, número de retiros ou palavras bonitas. Ela se manifesta na forma como você lida com o outro. Na escuta. No respeito. Na ausência de julgamento.
Quando um terapeuta grita, debocha, humilha, menospreza ou se coloca como superior, há um rompimento ético. Não importa o quão conhecida seja essa pessoa, quantos seguidores tenha ou há quanto tempo atue na área. Nenhum conhecimento dá permissão para a arrogância. Nenhum saber autoriza desrespeitar.
A relação terapêutica é um campo de confiança, não de hierarquia. O verdadeiro conhecimento não precisa ser provado com força. Ele se reconhece na forma como se expressa.
15. Uso indevido de relatos, prints ou histórias de clientes como conteúdo
Mesmo sem citar nomes, expor vivências de atendimento como exemplo pode ser uma violação do espaço de confiança. Muitos terapeutas fazem isso em nome da “educação do público”, mas o limite entre aprendizado e exposição é fino. A pergunta a se fazer é: estou contando isso para inspirar ou para me promover?
16. Falta de clareza nas promessas ou nos resultados esperados
Prometer que a pessoa vai “mudar de vida”, “curar traumas”, “alcançar abundância” ou “se libertar completamente” em poucos encontros é antiético. Vendas baseadas em ilusão fragilizam ainda mais quem já chega vulnerável. O terapeuta precisa comunicar com responsabilidade, deixando claro o que a técnica pode ou não oferecer.
17. Relações duplas e vínculos que confundem o lugar terapêutico
Atender amigos próximos, familiares ou manter relações pessoais com clientes durante o processo pode comprometer a neutralidade necessária. A clareza de papéis é essencial para que o vínculo terapêutico se mantenha ético e eficaz.
18. Violação de sigilo, mesmo em conversas privadas
Compartilhar detalhes de sessões com outros colegas ou até com familiares, mesmo sem nomes, é quebra de sigilo. O campo da terapia deve ser preservado com absoluto respeito, mesmo fora do espaço formal de atendimento.
19. Negligência com atualização profissional e supervisão
Não buscar supervisão, não se atualizar, não rever a própria prática pode se tornar um risco ético. O terapeuta que acredita já saber o suficiente tende a perder escuta, sutileza e humildade. A ética também se pratica no compromisso com o próprio desenvolvimento.
20. Falta de preparo para lidar com emergências emocionais ou quadros clínicos graves
Fingir saber conduzir situações que exigem encaminhamento médico, psiquiátrico ou psicológico é colocar a cliente em risco. Reconhecer limites e redirecionar é uma das formas mais elevadas de cuidado.
21. Cobrança emocional e dependência disfarçada de vínculo
Alguns terapeutas, por insegurança ou imaturidade emocional, desenvolvem uma relação de dependência com clientes. Sentem-se rejeitados quando o cliente decide pausar ou encerrar o processo. Outros tentam “prender” a pessoa ao processo com discursos como “ainda não está pronta para sair”, mesmo quando não há mais demanda ativa. Isso não é cuidado. É apego travestido de zelo.
O vínculo terapêutico precisa ser livre. A continuidade deve nascer da autonomia, não da culpa.
22. Uso das redes sociais como palco de indiretas, desabafos e disputas
Quando o terapeuta transforma seu perfil em um espaço de indiretas, conflitos com concorrentes, desabafos emocionais ou respostas veladas a críticas, ele compromete a imagem de solidez que sustenta a relação de confiança. A rede pode ser um espaço humano e real, mas precisa ser também profissional. Ética é também saber filtrar o que se compartilha.
23. Falta de contrato e acordos profissionais claros
Ainda é comum encontrar terapeutas atuando sem contrato, sem termos de atendimento, sem acordos claros de cancelamento ou reagendamento. Essa ausência favorece ruídos, mal-entendidos e desgaste na relação profissional. Ética também se manifesta na formalização. Clareza é respeito.
24. Uso indevido de ferramentas que não foram devidamente compreendidas
Técnicas como radiestesia, canalizações, terapias quânticas, oráculos ou apometria, por exemplo, vêm sendo usadas de forma superficial por profissionais que não estudaram a fundo suas implicações. Aplicar uma técnica sem saber sustentá-la, ou sem compreender suas limitações, é um risco que o outro não precisa correr. O terapeuta precisa conhecer profundamente aquilo que oferece. A ética também está na base técnica.
25. O mito da autoridade espiritual ou intuitiva
Muitos terapeutas se escoram na própria intuição como justificativa para tudo o que dizem ou fazem, sem abertura para revisão ou escuta. Usar a frase “minha intuição está dizendo” como verdade, principalmente quando isso impacta a decisão de outra pessoa, pode ser um caminho perigoso. Intuição é uma ferramenta sutil. Não há licença para arbitrariedade.
26. Uso de técnicas em atendimentos coletivos sem triagem adequada
Alguns terapeutas aplicam ferramentas intensas, como regressões, ativações energéticas ou vivências emocionais profundas, em grupos abertos, sem conhecer o histórico emocional dos participantes. Isso pode ativar traumas ou gatilhos sem haver espaço para acolher devidamente. Ética também é saber o que oferecer, para quem, em que contexto e com que preparo.
27. Terapias com crianças ou adolescentes sem preparo específico
Atuar com públicos sensíveis exige formação e ética redobrada. Muitos terapeutas se aventuram em atendimentos infantis ou com adolescentes apenas replicando o que fazem com adultos. Isso pode ser prejudicial e até ilegal em determinados contextos, especialmente se não houver autorização adequada dos responsáveis. Ética é também respeitar o que exige especialização.
28. Fazer promessas espirituais ou karmicamente manipulativas
Frases como “se você não fizer esse atendimento, vai continuar carregando essa dor” ou “se você não limpar isso agora, vai atrair sofrimento” soam espirituais, mas são coercitivas. Qualquer tentativa de forçar uma decisão usando medo espiritual, carma ou energia negativa como moeda de pressão é abuso disfarçado de cuidado. Ética é liberdade.
29. Indução à fidelização disfarçada de necessidade contínua
Incentivar clientes a pacotes longos ou atendimentos semanais sem necessidade real, apenas para manter renda, fere o princípio da escuta honesta. O terapeuta ético orienta o cliente para a autonomia. Não cria dependência para preencher inseguranças ou faturamento.
30. Falta de responsabilidade com o ambiente físico e virtual do atendimento
Ambientes com pouca privacidade, ruídos constantes, interrupções, instabilidade na internet ou desorganização comprometem a segurança emocional da sessão. Ética também se traduz em oferecer um espaço minimamente estável e respeitoso, seja presencial ou on-line. O cuidado começa no cenário.
31. Competitividade disfarçada de espiritualidade é um campo de risco real
Embora o trabalho terapêutico parta do princípio da colaboração, da presença e do serviço, a realidade nem sempre corresponde a esse ideal. Em alguns casos, profissionais do mesmo segmento agem com rivalidade, desqualificam colegas e até chegam a atitudes de perseguição, ameaças ou boicotes velados.
Esses comportamentos não são apenas antiéticos, são violentos.
O medo de ser ofuscado, a dificuldade em lidar com a visibilidade do outro ou o sentimento de posse sobre alunos, técnicas ou espaços gera disputas que ferem profundamente a integridade do ofício. Quando uma terapeuta sente que precisa se esconder, silenciar ou recuar da própria trajetória por medo de retaliação, algo está gravemente fora de lugar.
Ser terapeuta exige maturidade emocional para lidar com o crescimento do outro. Acolher a própria sombra é parte do caminho. Atuar tentando apagar a luz alheia é o oposto do que se espera de alguém que se propõe a cuidar.
32. A atuação terapêutica não pode servir de compensação emocional
Há terapeutas que, sem perceber, passam a usar o próprio trabalho como forma de obter validação pessoal. Buscam aprovação constante dos clientes, esperam elogios, alimentam a sensação de que estão sempre certos. Isso cria um desequilíbrio no vínculo. A atenção que deveria estar voltada para o outro se volta para as próprias necessidades emocionais do profissional. O cuidado se distorce. Quem cuida precisa reconhecer quando está transferindo carências para o exercício da escuta.
33. Imagens e discursos manipulados para construir autoridade rápida
O crescimento das redes sociais normalizou práticas que ferem a ética. Inventar depoimentos, simular lotação de agenda ou utilizar imagens irreais de atendimentos, dentre outras coisas, são formas de manipular a percepção do público. A autoridade construída sobre base falsa não se sustenta. Pior do que isso, fragiliza a confiança de quem está buscando ajuda real. Ética também é paciência com os próprios processos. É sustentar a verdade mesmo que ela ainda não tenha o alcance que se deseja.
34. Uso de conteúdos, métodos ou frases sem referência, ou consentimento
É comum encontrar terapeutas reproduzindo técnicas, textos ou ideias sem citar as fontes. Às vezes de forma ingênua, às vezes como estratégia. Mas em qualquer caso, o princípio do respeito está sendo violado. O conhecimento compartilhado precisa ser tratado com cuidado. Apropriar-se de um conteúdo sem reconhecer sua origem é negligenciar a história de quem o construiu. Ética também se pratica no reconhecimento.
35. Atendimentos com públicos em vulnerabilidade sem preparo adequado
Lidar com situações de luto, trauma, violência, dependência química ou transtornos emocionais graves exige formação específica. Não basta a intenção de ajudar. Alguns terapeutas se colocam diante dessas realidades com recursos insuficientes, o que pode gerar mais dor do que acolhimento. A ética se revela justamente ao ter coragem de admitir que ainda não é hora, que é preciso aprender mais antes de oferecer.
36. Ausência de crítica sobre a própria bolha espiritual ou terapêutica
Há terapeutas que reproduzem discursos e crenças do seu grupo ou escola como se fossem verdades, sem questionar os efeitos disso na escuta ou no processo do outro. Quando a bolha vira dogma, o espaço terapêutico deixa de ser livre. Ética também é refletir sobre o que você repete sem perceber. E ter abertura para revisar, mesmo que isso mexa com suas certezas.
37. Incapacidade de lidar com críticas ou devolutivas construtivas
A postura defensiva diante de feedbacks revela uma fragilidade perigosa em quem ocupa um lugar de escuta. Alguns terapeutas interpretam qualquer observação como ataque pessoal, reagem com agressividade, silêncio punitivo ou tentativas de deslegitimar o outro. Isso bloqueia o aprendizado e alimenta relações marcadas por tensão e controle. Ética também é saber se escutar.
38. Mercantilização disfarçada de espiritualidade
Quando o foco da atuação terapêutica passa a ser apenas o lucro, a agenda cheia ou o próximo lançamento, há um deslocamento da essência do cuidado. Isso não significa que o terapeuta não deva prosperar. Mas quando a lógica da escassez e da competição domina a conduta, o trabalho se esvazia. Ética também é lembrar para quem, como e por que você faz o que faz.
39. Uso de bastidores, crises ou histórias pessoais como forma velada de ataque
Em tempos de exposição constante, é cada vez mais comum ver terapeutas compartilhando supostos desabafos ou processos íntimos que, na verdade, são indiretas, críticas disfarçadas ou tentativas de invalidar colegas. A ética se revela quando você consegue elaborar suas frustrações sem contaminar o outro com ressentimento.
40. Silêncio conivente diante de abusos claros
Há terapeutas que preferem não se posicionar diante de condutas antiéticas por medo de perder espaço, parcerias ou reputação. O silêncio, nesses casos, se torna cumplicidade. Ética também é saber dizer não, interromper vínculos, renunciar a alianças que ferem aquilo que você defende. Integridade não se negocia.
41. Apropriação indevida de saberes, métodos e criações alheias
Há terapeutas que copiam estruturas de atendimento, nomes de jornadas, conteúdos, ferramentas e até identidades visuais de colegas, sem dar os devidos créditos. Isso é mais do que falta de criatividade. É apropriação. Ética também é reconhecer as fontes que te inspiram, pedir permissão, dar nome a quem abriu caminho antes de você. E criar com verdade, não com réplica.
42. Romantização de sofrimento como sinal de “processo espiritual”
Alguns terapeutas perpetuam a ideia de que dor, confusão ou colapsos emocionais são “sinais de que está funcionando”. Usam expressões como “você está em expansão”, “isso é só o ego morrendo” ou “confie no processo”, mesmo quando o cliente demonstra sofrimento real. Minimizar a dor do outro com uma fala bonita é uma forma sutil de negligência. Ética também é acolher, sem se esconder atrás de frases prontas.
43. Atuar com clientes em situação de vulnerabilidade sem preparo emocional ou estrutura adequada
Quando o terapeuta se depara com pessoas em luto recente, crises de pânico, abuso, ideação suicida ou situações-limite, precisa ter muita clareza sobre o que consegue ou não sustentar. Há terapeutas que acolhem essas pessoas sem preparo, apenas por não saberem recusar. Isso é perigoso. Ética também é ter discernimento para reconhecer quando o cuidado exige apoio em rede e não uma atuação solitária.
44. Falta de responsabilidade quando algo dá errado
Erros acontecem. Mas muitos terapeutas, ao serem questionados ou confrontados, reagem com negação, espiritualizam o conflito, culpam o cliente ou deslegitimam a experiência do outro. Pedir desculpas, escutar críticas e rever condutas não enfraquece ninguém. Pelo contrário: mostra maturidade. Ética também é saber lidar com os próprios tropeços sem precisar se proteger na posição de “quem cuida”.
45. Transferir responsabilidades para o campo espiritual como justificativa para ausências, atrasos ou faltas de profissionalismo
Há terapeutas que se ausentam de sessões, atrasam atendimentos ou desmarcam compromissos com explicações como “foi intuição”, “não era o momento certo” ou “a energia não permitiu”. Isso pode parecer alinhado com um discurso espiritualizado, mas muitas vezes mascara falta de organização, despreparo emocional ou desrespeito com o tempo do outro. Ética também é cumprir o que se propõe, com responsabilidade e seriedade.
46. Confundir autoridade terapêutica com figura de poder
Com o tempo, é comum que terapeutas ganhem visibilidade, sejam procurados por mais pessoas e passem a ocupar lugares de referência. O reconhecimento é legítimo quando nasce de uma entrega verdadeira. Mas existe um risco sutil: o de transformar essa visibilidade em hierarquia emocional.
Quando o terapeuta se apresenta como mestre, guru, mago, canal exclusivo de uma verdade ou figura iluminada que está acima dos demais, o vínculo se desequilibra. A escuta dá lugar à doutrinação. O cuidado vira controle. A relação deixa de ser terapêutica e se torna uma dinâmica de poder.
A ética exige humildade, mesmo quando há autoridade. O reconhecimento não dá permissão para criar dependência, manipular escolhas ou usar o encantamento dos outros como combustível para o próprio ego.
Quem cuida precisa, acima de tudo, lembrar que está a serviço. E que ninguém é mais evoluído por ser mais ouvido.
47. Falta de preparo para lidar com interculturalidade e diversidade
Ignorar questões raciais, de gênero, orientação sexual, classe social, deficiências ou contextos culturais diferentes do seu pode fazer com que o terapeuta reproduza preconceitos durante o atendimento, mesmo sem perceber. Ética também é estudar, reconhecer privilégios e adaptar a escuta para não violentar o outro com falas ou julgamentos travestidos de cuidado.
48. Utilizar técnicas de indução ou sugestão para levar o cliente a determinadas conclusões
Há práticas terapêuticas que, mal conduzidas, geram um alto nível de sugestionamento. Isso pode fazer o cliente acreditar em memórias que não são dele, assumir culpas que não são suas ou tomar decisões com base em falas do terapeuta, sem elaboração real. Ética também é zelar pela autonomia psíquica do outro, não induzir uma narrativa.
49. A ética também se manifesta na responsabilidade financeira com os compromissos assumidos
Cumprir acordos não é apenas uma questão contratual. É um reflexo direto do caráter profissional. Quando um terapeuta atrasa pagamentos, ignora cobranças, diz que só pagará se “tiver dinheiro” ou obriga o prestador de serviço a insistir repetidamente para receber, há uma quebra grave na integridade da relação.
O fato de alguém trabalhar com espiritualidade, autocuidado ou escuta não o isenta da responsabilidade básica de honrar o que acordou. Especialmente quando há um contrato firmado. Alegar que só pagará se puder, enquanto usufrui do serviço ou da entrega, é desrespeitoso e, muitas vezes, abusivo.
Quem oferece cuidado também precisa cuidar das próprias relações. Ser terapeuta exige ética nos bastidores. E isso inclui como você lida com quem te apoia, te atende, te impulsiona ou caminha ao lado. Ética não é seletiva. É coerência em todas as direções.
50. Ética também é respeitar os acordos que você assina
Assinar um contrato e depois tentar escapar do que foi combinado é mais comum do que deveria. Muitos profissionais, mesmo sendo terapeutas, insistem em distorcer os acordos para levar vantagem. Pedem entregas extras sem pagar por elas, questionam cláusulas que aceitaram previamente, tentam se beneficiar de brechas, pressionam por exceções e ainda se incomodam quando encontram um limite claro.
É o tipo de comportamento que revela incoerência entre o discurso e a prática. Porque falar de respeito, consciência e integridade nas redes sociais é fácil. Difícil é sustentar isso quando os próprios interesses são contrariados.
Em muitos casos, quando o limite é colocado com clareza, a pessoa recua, encerra o vínculo ou vai buscar alguém mais flexível, alguém que aceite tudo, sem critério, desde que o valor seja pago. E tudo bem. Porque ética também é saber a hora de não seguir.
Quem exige ética do outro, precisa oferecer ética ao outro. Honrar um contrato não é apenas um dever jurídico. É um reflexo da maturidade com que você conduz sua vida.
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Quem cuida de pessoas não pode ignorar os próprios comportamentos quando está no lugar de cliente, contratante ou parceiro. O campo da ética não começa quando você atende alguém. Ele começa quando você escolhe ser coerente, inclusive com os compromissos que você mesmo assinou.
Este guia não é definitivo. Para quem está começando, para quem já tem uma trajetória, para quem está se sentindo desconectado do próprio trabalho, mas ainda quer continuar de forma íntegra.
A ética não é um selo. É um processo. Um compromisso diário com a responsabilidade de atuar na vida do outro sem usar isso como palco, ego ou escudo.
Quem escolhe cuidar precisa, antes de tudo, cuidar do que oferece.
Esse é o mínimo.