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Todo dia o sol levanta

Imagem de um caramujo andando sobre o teclado de um computador.
Richard Villalonundefined undefined / Getty Images / Canva
Escrito por Eu Sem Fronteiras

Em meio ao verde abundante, a alma se vê presa à tirania invisível do trabalho constante. A natureza sussurra poesia, mas o tempo escorre entre telas e urgências. O que nos impede de viver o simples? Onde se perdeu o olhar que transforma o banal em arte?

A sociologia do trabalho define o modo de ser do trabalhador na atualidade como 31. Isso mesmo, trinta e um: sete dias por semana, vinte e quatro horas em ação. Sinto-me assim.

Totalmente abduzida pelas forças externas que chegam até mim via Internet, trazendo demandas das mais variadas origens, quase sempre ligadas ao trabalho pela sobrevivência. Não há mais sábado, domingo, madrugada ou hora do almoço, tenho sempre uma mensagem urgente para ser respondida, tenho sempre um e-mail para redigir.

O resultado é o empobrecimento da minha vida de artista e escritora, pois ser artista e escritora é olhar para o vivo da vida, para o cotidiano mais banal e ver nisso arte, e fazer disso arte.

Estava organizando antigos textos para a coleção que está sendo preparada para meu novo livro e deparei-me com uma série de escritos sobre o cotidiano, entre a casa e o jardim. Nelas desfilam tatus-bolas, galos, lagartixas e uma série de personagens domésticos que circulavam pela nossa casa. Fiquei pensando o quanto minha vida mudou, nesses últimos anos. Moro numa casinha bio construída, em um granjeamento rural.

Em uma área relativamente longe da cidade, com uma paisagem campestre, típica do interior de Minas, com vacas, cavalos, tatus, cobras, porcos-espinhos, quatis, tucanos, saracuras, jacus, enfim, uma fauna nativa abundante. No entanto, toda essa fauna abundante e flora exuberante não conseguem mais produzir efeitos sobre minha escrita diária.

Toda essa abundante natureza que me cerca não é páreo para uma vida ligada à tirania do trabalho pela internet, que toma quase todo o meu tempo e domina minha experiência cotidiana.

Imagem de um homem sentada sobre uma pedra em uma montanha em frente a um lago. Ele está trabalhando em seu notebook de forma remota.
Imágenes de Hassel / Canva

De uma certa forma, poderia eu estar em um apartamento no subsolo que não faria diferença para minhas atividades cotidianas. Exagero? Sem dúvida. Hoje mesmo, já caminhei, já estive sob o céu azul, já passei entre bois e vacas, já contemplei açudes, lagos e riachos, atravessei o pasto molhado de orvalho, senti o cheiro dos lírios-do-brejo. Tudo isso, ainda agora. 

Então, por que essas experiências não viram textos? Por que passo o dia com a sensação de não sair da frente do computador, a resolver assuntos burocráticos e de sobrevivência? Por que, se agora mesmo levantarei daqui e irei até a horta escolher pelo aroma o chá que vou tomar? O que anda se passando comigo para que a sensação de estar parada diante da tela seja superior àquela de estar na horta sentindo o aroma da hortelã, do alecrim ou do manjericão? Como poderia eu voltar a tornar o texto cotidiano mais simples, como o choro banal do cortar cebola ou a invasão de formigas na cozinha? Corriqueiro como o ataque de uma lacraia na madrugada? E que texto legal seria aquele que narraria o dia em que, no escuro, deitada na cama, eu assistia um filme sobre alienígenas quando, de repente, uma rã grudou na tela do tablet? Como poderia eu demorar-me mais nas pequenas coisas, sem deixar que as demandas da sobrevivência imperassem e anulassem qualquer outra experiência?

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