Deitada no chão frio da cozinha, a criança gritava um choro de dor e desespero jamais escutado pela mãe. Seis anos, o primeiro dente de leite na iminência da perda. O menino parecia pressentir que algo dele se perderia para sempre. O nunca mais tomaria a forma inabalável do destino.
As lágrimas caíam do rosto moreno e magro. A voz embargada pelo soluço rompia num grito agudo e sofrido. A mãe, assistindo inaugurar a angústia da existência, sussurra, enquanto pousa no colo a cabeça erguida do chão: tudo passa, amado meu, passa, passa. Ficaram assim, os dois, na cerâmica fria. O silêncio assinalava a certeza do nunca mais.
Passou.
O novo estava por vir.
Não há espaço. A sentença foi dada ali mesmo, de pé, na sala branca e higienizada do dentista. Os olhos negros do pequeno iam do especialista à mãe. Um traço da angústia gritada no chão da cozinha ressurgia diante da promessa do devir ameaçado.
O gosto do soluço cruzando a garanta, onde a pressão do jato gelado ressentia. Os olhares passeavam pela sala, como se a resposta pudesse estar em alguns daqueles vidros, daquelas pequenas gavetas, dos armários de aço escovado e frio. Isso é simples, uns poucos meses com o aparelho noturno e a abertura virá. Abertura? Virá? Devir? Perder?
Iria passar, tudo passa, passa, passa. Crescer. Perceber o significado de cada ‘passa passa passa’, até que o vivido se torne um só passar. Feito sonho, feito brisa, passarinho.
O menino assovia. Melodia alegre, esquecida do grito ido, doído. O menino assovia, a janelinha, no espaço do antes, ajuda.
Há tons sobre tons.
Canção.
Poesia?
Vida.
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A vida passa passa passa. Que fica? A certeza de ter passado com ela. A alegria de ter passado nela. A intensidade dela. Fica. Fica?
Tudo fica fica quando tudo passa passa… Tudo tudo. Para sempre. Tudo passa passa, inabalável destino. Tudo fica fica, amado meu, em mim, em ti, em nós que não mais seremos no por vir. Tudo passa.