Autoconhecimento

Viagem ao meu interior

Mulher com os olhos fechados e as mãos juntas em forma de oração.
microgen / 123RF

Quando me aposentei, pensei comigo mesma: agora vou andar por aí, conhecer lugares que sempre tive vontade de visitar. Imaginei-me andando pelas ruas, conversando com as pessoas, observando seus costumes, assistindo a espetáculos teatrais, saboreando pratos típicos, deslumbrando-me com as diversas manifestações culturais. Selecionei vários roteiros de viagem, programei e realizei algumas delas. É sempre muito bom viajar, não acha?

De repente, todos nós fomos surpreendidos com uma pandemia que tolheu nossa liberdade. Que lástima! Quando viajo, liberto-me de muitas coisas: da rotina, do comodismo, das preocupações e até mesmo das obrigações. De uma certa forma, viajar era um projeto prioritário para mim. Sabe aquela ideia de não morrer antes de conhecer algumas maravilhas do mundo? Confesso que fiquei desalentada!

Depois de alguns meses de pasmaceira, iniciei uma viagem inusitada: “sem lenço, sem documento, nada no bolso ou nas mãos”, segui em direção a mim mesma. Em primeiro lugar, arrumei minha cabeça, já que, numa viagem dessa natureza, ela é a mala que eu não poderia esquecer de forma alguma. Muitos pensamentos vieram à tona: o que faço aqui no meio dessa pandemia? Como manter a minha saúde física e mental sem a liberdade de ir e vir? Qual será o meu foco? Que decisões deverei tomar para que minha vida não perca o sentido e com quais objetivos?

Com essas e muitas outras indagações na mente, fui tentando me adaptar ao meu novo estilo de vida. Eu praticava natação, mas resolvi me afastar da academia que frequentava até a situação melhorar. Então retomei um sonho antigo: aprender a andar de bicicleta. Passei a treinar diariamente, caí algumas vezes. Não desisti até conseguir o equilíbrio necessário para executar as manobras e adquirir autoconfiança. Interessante como essa prática me trouxe de volta a sensação de liberdade e me proporcionou momentos de reflexão muito importantes. No passeio de bicicleta, com o sol e o vento batendo em meu rosto, eu me senti mais integrada à natureza. Minha percepção sensorial se aguçou e uma sensação de plenitude me envolveu. Quando adquiri uma boa habilidade, resolvi fazer uma experiência: andar de bicicleta e meditar ao mesmo tempo. Você pode me dizer: isso é impossível! Obviamente não fechei os olhos, mas foquei meu olhar num ângulo de 45 graus e procurei me concentrar nos sons que vinham da natureza ao meu redor. Depois passei a inspirar e, à medida que expirava, pratiquei o mantra “aum“. Permaneço aprimorando essa experiência. Já consigo esvaziar bem a minha mente.

Mulher fazendo a pose da cobra yoga.
Marcus Aurelius / Pexels

Associei essa prática a um programa de exercícios e meu corpo respondeu muito bem. Qualidade de vida passou a ser uma meta muito importante para mim nessa pandemia. Adquiri hábitos que até então não faziam parte de minha rotina diária. Não adoeci.

Prossegui com meu programa de autocuidado. Afinal, o nosso corpo guarda, temporariamente, a nossa verdadeira essência. Somos seres espirituais abrigados por um corpo físico. Cuidar da mente e do espírito sempre foi essencial, mas em tempos de pandemia esse cuidado passou a ser uma condição “sine qua non” para nos mantermos saudáveis. Todos nós sabemos que muitas pessoas enfrentaram e continuam enfrentando problemas psicológicos provocados pelo medo e pelo isolamento social.

Assim, decidi alimentar minha mente e meu espírito na busca por autoconhecimento, desenvolvimento de valores e descoberta e aperfeiçoamento de meus talentos. Fiz vários cursos online e assisti a inúmeros vídeos por meio dos quais conheci pessoas muito especiais: músicos, filósofos, escritores, professores de yoga. A leitura, a meditação e a música me permitiram manter o foco em meus propósitos e seguir o caminho adequado em direção a mim mesma.

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Tenho plena consciência de que o fato de ter formado uma vontade esclarecida e determinada durante toda minha vida foi e ainda é essencial para o meu crescimento espiritual. Percebo claramente que ancorar nossa vida em momentos fugazes, meramente sensuais, ou vincular nossos desejos aos objetos e aos fins exclusivamente materiais é perder a chance de conquistar a nossa humanidade.

Muitas pessoas estão deixando o cavalo passar selado, alimentando o desejo de que a pandemia acabe para voltar à vidinha de sempre, sem abandonar o comodismo, o egoísmo e as futilidades que o mundo oferece. Querem, como elas próprias afirmam, aproveitar a vida, ignorando que momentos fortuitos não favorecem a formação de uma conduta mais coerente, sólida, pacífica, solidária e verdadeiramente humana.

Não estou afirmando aqui que devemos nos tornar beatos, santos, yogues ou algo parecido. Não me entenda mal, caro leitor. Quero apenas chamar sua atenção para a importância do seu “eu interior”. Ele é a sua verdadeira identidade! Descubra-o, desperte-o, depure-o, viva em sintonia harmoniosa com ele. Não desista dessa viagem. De minha parte, vou seguindo. Sei para quê estou aqui neste mundo. E você?

Sobre o autor

Conceição Castelo Branco

Sou formada em filosofia e pedagogia. Na verdade, sou uma eterna aprendiz que, aprendendo, também ensina. Sou uma educadora em construção. Nesse processo, descobri meus talentos. Ensinar e aprender foi um deles. Trabalhei com crianças como professora alfabetizadora. Tarefa difícil e desafiadora, mas também apaixonante. Trabalhei com adolescentes e jovens de escolas públicas e particulares de ensino fundamental e médio, realidades completamente diferentes, com desafios complexos. Nesse contexto, atuei como arte-educadora, vivência que me enriqueceu extraordinariamente. Trabalhei, enfim, com jovens e adultos na universidade pública, onde pratiquei o exercício da reflexão e da crítica com maior profundidade.

Durante algum tempo, prestei serviços na Secretaria Estadual de Educação, na área de currículo, planejamento educacional e formação de profissionais de educação. Constatei que, sem a experiência do magistério, o meu trabalho jamais teria repercussão no chão da escola. Fui consultora do Ministério de Educação em alguns trabalhos, entre eles na elaboração dos Planos Municipais de Educação do Piauí. Atuei também como conselheira estadual de educação, função que exige muito estudo e conhecimento da realidade.

Em dado momento de minha carreira, resolvi escrever um livro, no qual abordei os problemas e desafios de quem assume o magistério com compromisso e responsabilidade. Seu título: "Professor, sai da caverna". Foi publicado pela editora da UFPI. Paralelamente a essas atividades, fiz o curso de instrutora de Yoga, cuja prática mantenho até o momento em que vivo. Tenho outros projetos: escrever um outro livro (dessa vez com a participação de alunos) e trabalhar Yoga com crianças de uma escola municipal da periferia de Teresina, cidade onde moro. Talvez eu continue a sonhar até o fim da vida, porque, no fundo, sei quem sou e para que estou nesse mundo.

Contato:
Email: ceicacb@hotmail.com