A época de João chegou. Parece que o céu noturno se aproxima de nós, trazendo a dimensão do espiritual para o cotidiano. As festas dos santos alegram corações e deixam as mentes mais confusas diante de suas racionalidades arbitrárias. Pretendo investigar um pouco isso, mas não sei se conseguirei. Começo com uma das perguntas mais fundantes da existência: Deus existe?
A vela lilás ardia no centro da mesa, iluminando a refeição cotidiana. Faltavam dez minutos para a uma da tarde e o ritmo das garfadas estava se acelerando, pois o turno da tarde começara e o almoço ainda estava em meio.
“Segunda-feira típica”, pensava a mãe, mastigando apressada, quando ouviu a pergunta: “Mamãe, você acredita em Deus?”. Um pedaço de alface interrompeu seu percurso e, ao retornar, bifurcou para a traqueia.
Segunda-feira típica. Você com pressa, o almoço atrasado e as crianças, ah… as crianças, sempre encontram momentos incrivelmente impossíveis para as perguntas mais fundantes da existência. Em uma fração de segundo, um turbilhão de respostas veio à mente, enquanto a mãe engasgada tossia, tentando livrar a traqueia do visitante vegetal indesejado. Entre a miríade de respostas famosas, a do psicanalista Yung se apresentou em inglês: I don’t bealive. I kown.
Ainda arranhando a garganta, a mãe olhou para o filho. O garoto, garfo esquecido no ar, aguardava a resposta, alheio à complexidade da pergunta e à correria da segunda-feira típica. Enfim, respiração restabelecida, a mãe pensou que, com quase oito anos, era a hora das respostas, antes fantasiosas, mudarem de nível e começou a ensaiar o que dizer, enquanto, fazendo uma mímica de serenidade, conseguia um tempo, abusando da autoridade materna: “eu respondo, mas você tem de ir comendo” e emendou para tomar fôlego: “mastiga bem os legumes”.
A estratégia funcionou, mas ela sabia que a resposta era inevitável e poderia ser definitiva e lembrada para sempre como um norte ou algo a ser combatido, pois vozes maternas, declarando suas crenças, estão nas bases dos relatos biográficos da grande maioria das pessoas.
O que a pobre mãe encurralada poderia responder, sem antes lançar-se a uma pesquisa exaustiva dos pressupostos da própria pergunta? Como dizer sim ou não, sem definir, clara e antecipadamente, a qual conceito de Deus estava se referindo? Se dissesse, como Yung, “eu sei”, seja para o sim ou para o não, estaria racionalizando um dos maiores mistérios da vida.
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A badalada dá uma soava, indicando a hora de sair para a universidade, o espaço destinado ao texto chega ao final sem que a resposta possa se apresentar e a pergunta inaugura a chegada da época de João.