Autoconhecimento Comportamento

Autocrítica: você consegue fazer?

Silhueta de homem sentado olhando pensativo na praia
beppenikon / Getty Images / Canva

Por causa da passagem de ano, muitas mensagens circularam na internet. Recebi pelo WhatsApp uma mensagem de alguém por quem tenho muito apreço. O conteúdo já era de meu conhecimento: um belo poema de Carlos Drummond de Andrade, cujo título é Receita de Ano Novo. Destaco aqui a última estrofe:

“Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome,

você, meu caro, tem de merecê-lo,

tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,

mas tente, experimente, consciente.

É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.”

Você deve conhecê-lo, não é, meu caro leitor? Ao relê-lo, num momento tão especial e, ao mesmo tempo, tão difícil para toda a humanidade, eu me dei conta da sabedoria contida em tão preciosa receita. Com simplicidade, o nosso poeta nos convida a olharmos para dentro de nós mesmos de uma forma essencialmente verdadeira, sincera e honesta, como forma de ressignificação do Ano Novo.

É interessante refletirmos sobre essa receita que Drummond nos prescreve. Ele nos incita a uma renovação de nossas vidas a partir de uma autocrítica. Como ele próprio afirma “não é fácil”. Por que não? Simplesmente porque aprendemos a olhar só para fora de nós mesmos, quando queremos justificar quaisquer omissões, fracassos ou desencontros em nossas vidas. Nossas explicações são mais ou menos assim: “Eu não estudei para tal concurso porque a concorrência é muito grande, eu não participo de um trabalho solidário porque sou muito ocupado, eu não sou promovido na empresa na qual trabalho porque meu chefe é muito exigente, eu me desentendi com meu amigo porque ele acha que somente suas opiniões são válidas…”, “sabe, eu tento, experimento, mas não consigo!”.

Então, caro leitor, eu lhe pergunto: você tenta, experimenta consciente? Você já tentou alguma vez olhar de forma mais profunda para você mesmo? Ou você teme enfrentar esse desafio que, na verdade, não é nada fácil?

Homem olhando pensativo pela janela
Norbert Kundrak / Pexels / Canva

Para começo de conversa, quero lhe assegurar que tal desafio não se nos apresenta somente nos dias de hoje. Na Grécia Antiga, Sócrates convocava seus discípulos a praticarem um importante preceito: “Conhece-te a ti mesmo.” Para esse filósofo da antiguidade clássica, ele representava uma referência fundamental não só pra o autoconhecimento, mas também para o conhecimento do mundo e da verdade. Para o pensador grego, o conhecimento de si mesmo, a autoconsciência despertada e mantida em permanente vigília era considerada o ponto de partida para uma vida equilibrada, autêntica e feliz, por possibilitar ao homem agir de acordo com as exigências de sua alma, sede da própria consciência e do caráter.

Assim sendo, o processo de conhecer a si mesmo exige que cada indivíduo mergulhe profundamente em sua essência, o que requer disposição e vontade de enfrentar seus hábitos e atitudes cotidianas, com a finalidade de identificar aspectos característicos de seu comportamento. Essa autoanálise requer uma permanente dedicação e uma criteriosa racionalidade que elimine a possibilidade de interferência de aspectos afetivos ou emocionais que possam justificar determinadas atitudes comportamentais.

O autoconhecimento se torna a cada dia mais indispensável. Mesmo que seja doloroso, que dê trabalho e que demande tempo razoável é a partir deste processo que poderemos conhecer melhor nossas idiossincrasias, nossas limitações, nossas visões equivocadas sobre as pessoas e o mundo e constatar a nossa própria ignorância, seguindo o exemplo de Sócrates cuja sabedoria ele próprio resumiu na expressão: “Só sei que nada sei.”

Portanto, ao conhecermos melhor a nós mesmos, seremos capazes de fazer uma autocrítica de nossas posturas e melhorarmos nossos relacionamentos pessoais e profissionais, além de tomar consciência daquilo que realmente nos move, nos mobiliza para uma tomada de decisão, nos retira da comodidade, nos convida a agir de forma inovadora e criativa, daquilo que favorece a nossa autoestima e amor-próprio, nossa estabilidade emocional. Enfim, daquilo que nos torna verdadeiramente humanos.

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Quero destacar, ainda, a importância do autoconhecimento e da autocrítica para a conquista da autonomia individual e para o exercício da empatia. Uma pessoa que tem um profundo conhecimento de si mesma sabe o que quer e sabe como agir para conseguir o que quer. Age por sua própria cabeça e de acordo com suas próprias convicções. Porque conhece bem a si mesma é capaz de compreender melhor a forma de agir de uma outra pessoa e se colocar em seu lugar, superando estigmas e preconceitos sociais.

Então, meu caro leitor, que tal aceitarmos a provocação de Drummond? Vamos merecer o novo ano, começando por nós mesmos? Nada de promessas ou propósitos. Vamos retirar nossas máscaras e mostrar o nosso verdadeiro rosto? Que a nossa consciência seja o espelho onde possamos nos mirar a cada dia do ano que acaba de nascer.

Sobre o autor

Conceição Castelo Branco

Sou formada em filosofia e pedagogia. Na verdade, sou uma eterna aprendiz que, aprendendo, também ensina. Sou uma educadora em construção. Nesse processo, descobri meus talentos. Ensinar e aprender foi um deles. Trabalhei com crianças como professora alfabetizadora. Tarefa difícil e desafiadora, mas também apaixonante. Trabalhei com adolescentes e jovens de escolas públicas e particulares de ensino fundamental e médio, realidades completamente diferentes, com desafios complexos. Nesse contexto, atuei como arte-educadora, vivência que me enriqueceu extraordinariamente. Trabalhei, enfim, com jovens e adultos na universidade pública, onde pratiquei o exercício da reflexão e da crítica com maior profundidade.

Durante algum tempo, prestei serviços na Secretaria Estadual de Educação, na área de currículo, planejamento educacional e formação de profissionais de educação. Constatei que, sem a experiência do magistério, o meu trabalho jamais teria repercussão no chão da escola. Fui consultora do Ministério de Educação em alguns trabalhos, entre eles na elaboração dos Planos Municipais de Educação do Piauí. Atuei também como conselheira estadual de educação, função que exige muito estudo e conhecimento da realidade.

Em dado momento de minha carreira, resolvi escrever um livro, no qual abordei os problemas e desafios de quem assume o magistério com compromisso e responsabilidade. Seu título: "Professor, sai da caverna". Foi publicado pela editora da UFPI. Paralelamente a essas atividades, fiz o curso de instrutora de Yoga, cuja prática mantenho até o momento em que vivo. Tenho outros projetos: escrever um outro livro (dessa vez com a participação de alunos) e trabalhar Yoga com crianças de uma escola municipal da periferia de Teresina, cidade onde moro. Talvez eu continue a sonhar até o fim da vida, porque, no fundo, sei quem sou e para que estou nesse mundo.

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