A criança ao nascer não tem noção do “Eu” (veja o artigo “Crianças que dormem com os pais: a quentinha e perigosa cama da mamãe”). Ela não compreende o mundo da mesma forma que os adultos ou as crianças maiores; não entende a diferença entre humanos e objetos. É pelo contato afetuoso com o outro, geralmente com a mãe, que o bebê começa a conhecer o mundo, as pessoas, e perceber que ele e a mãe não são uma coisa só. Assim que nasce o bebê já começa a desenvolver a sua linguagem – pois é, mesmo bebês tão pequenos já tem linguagem! Quem nunca viu mãe trocando as fraldas de seu bebê? Ela fala com ele o tempo todo. E não é só isso, ela dá sentido para qualquer movimento que ele faça, imita sua expressão, fala mais lento e agudo, como se quisesse facilitar a sua fala para aquele pequenino ser. Há quem diga que isso é ridículo, mas não é. Isso é fundamental, pois nesse jogo um imita o outro e a linguagem passa a ser construída. Lembro-me de uma vez quando entrevistava a mãe de uma criança com atraso de linguagem, e ela disse que tinha visto no banheiro uma mulher falando muito com o bebê ao trocá-lo. E ela achou esquisito, porque o bebê não a entenderia, e me perguntou: “Eu deveria ter feito o mesmo quando meu filho era pequeno? Eu não sabia disso”. Esta relação tão íntima entre a mãe, ou quem faça o papel de cuidador, e o bebê não pode ser ensinada; ela é uma consequência do que já foi vivido pela própria mãe quando ela era um bebê.
“A primeira dificuldade em estabelecer limites está na própria resistência dos pais.”
Assim como a linguagem começa a se desenvolver no nascimento, o mesmo ocorre com a formação da sexualidade no ser humano. O bebê sente prazer e satisfação em tudo que está relacionado a boca: sugar é muito prazeroso não só por saciar a fome, mas pelo contato com o seio materno, pelo calor, pela delicadeza do gesto. Tudo que o bebê leva à boca, além de prazeroso, é também uma forma dele conhecer o mundo. Em Psicanálise, chamamos este período de fase oral.
Nesta fase é importante saber lidar com o quanto eu posso oferecer ao bebê.
Ele precisa de afeto, calor, embalo, contato físico, carinho, mas também precisa de limites. O bebê precisa da oportunidade de explorar sua fase oral, mas na medida certa; nesta fase, tanto o excesso quanto a falta podem criar uma fixação quando este indivíduo for adulto (o adulto que sempre tem algo na boca, “fixado” na busca do prazer oral). Eu vejo mulheres que deixam o bebê sugar o seio como se fosse chupeta o dia todo. Elas não conseguem fazer suas tarefas porque tem que ficar com o pequeno grudado nela. Também já vi o contrário: mães que não permitem que alguém tire o bebê do berço, salvo para as mamadas, para não criar dependência ao colo. O caminho do meio requer ponderação. A primeira dificuldade em estabelecer limites está na própria resistência dos pais.
Por isso, estabelecer limites com amor é fundamental. Vejam que o bebê, quando nasce, é puro desejo. Caso ele não seja satisfeito nos seus desejos ele chora. Ele ainda não tem o “Eu” formado para avaliar a situação, nem tampouco uma censura interna que diga a ele o que deve ou não fazer (a censura interna é o que popularmente as pessoas chamam de “consciência interna”, embora esta definição não seja adequada). É principalmente pela atuação dos pais – que o repreendem ou o elogiam, que permitem ou não – que o bebê começa a formar uma censura.
Como ainda há pontos muito importantes a dizer sobre este período da criança, no próximo artigo falaremos um pouco mais sobre este assunto.
Paz e bem.