Autoconhecimento

Meditação e superação do medo

Silhueta de pessoa branca meditando num banco.
Prasanth Inturi / Pexels

O medo excessivo é um sentimento que nos paralisa. Desorganiza nossos pensamentos, impede-nos de analisar a realidade, fragiliza nossa capacidade de reflexão, dificulta a nossa socialização, enfraquece a nossa confiança, atrapalha as nossas decisões.

Há muitos anos, sofri de síndrome do pânico. Abruptamente, sem nenhum motivo aparente, uma sensação de quase morte invadia meu espaço interior e me fazia pedir socorro a qualquer pessoa próxima a mim. Tinha medo de dirigir, medo de ficar sozinha em casa, além do medo terrível de morrer, é claro. Como a situação ficou insuportável, iniciei um tratamento com medicamentos e sessões de psicoterapia. Mas permanecia muito insegura e sofrendo com os efeitos de psicotrópicos.

Certo dia, tomei conhecimento de um livro de uma autora maranhense, cujo nome não me recordo agora. O título chamou minha atenção: “Yoga para Síndrome do Pânico”. Dediquei-me a lê-lo e a praticar suas orientações, que se concentravam no exercício da respiração. Nesse momento, iniciei meu processo de cura. Fiz outras leituras e passei a frequentar aulas periódicas de Yoga. Considerando meu crescente interesse sobre o assunto, resolvi fazer um curso de instrutora de Yoga. Esse curso abordou basicamente posturas da Hatha Yoga, mas me ajudou muito a controlar as sensações desagradáveis provocadas pelo pânico.

Recordo esse episódio de minha vida com a intenção de convidar o leitor a refletir comigo sobre o momento difícil pelo qual o mundo inteiro passa. Atualmente, o medo de morrer preocupa e, muitas vezes, adoece pessoas de todos os níveis sociais que habitam em qualquer lugar do planeta. É bem verdade que esse medo faz parte da vida do ser humano, em todos os tempos, algumas vezes de forma benéfica. Há milhões de anos, por exemplo, o homem já morava em cavernas, vestia a pele dos animais que caçava para se alimentar e, um longo tempo depois, descobria o fogo. Tudo isso na luta pela sobrevivência.

Em momentos diferentes da sua evolução, o homem sempre temeu a morte, ainda que oculta na manifestação de outros medos: medo da fúria e dos castigos dos deuses, medo de animais selvagens, medo de fenômenos da natureza, medo de doenças contagiosas, medo dos horrores da guerra, medo de ataques terroristas, medo do desconhecido, dos seus próprios semelhantes. É necessário admitir que o medo faz parte da condição humana, motivo pelo qual devemos entender que ele é uma reação natural diante de um perigo eminente. No entanto o mundo contemporâneo, por uma conjunção de fatores sociais, culturais, econômicos e ideológicos, favoreceu o surgimento de medos extremos, fora de controle e obsessivos, que são caracterizados como fobias.

As fobias são alimentadas por ideias e comportamentos pessimistas a respeito de tudo e de todos. A mente de uma pessoa fóbica vive tumultuada de pensamentos trágicos, tristes e angustiantes. Tais pensamentos levam essa pessoa ao isolamento social, à irritabilidade e à baixa autoestima. Por isso é que a ajuda de um psicoterapeuta é de suma importância. Mas não menos importante é o autocuidado que compreende uma diversidade de práticas que alimentam atitudes de autoconhecimento e amor a si mesmo na perspectiva do bem-estar físico, mental, emocional e espiritual. A meditação é uma prática dessa natureza.

Mulher branca meditando numa pedra.
RF._.studio / Pexels

Infelizmente, o Yoga perdeu muitas de suas características originárias. A Índia antiga se preocupava com a integridade moral e espiritual do ser humano. Nesse sentido, o Yoga era praticado como uma filosofia de vida cuja finalidade era a transcendência do eu e a união com o Ser Absoluto. No Ocidente, a prática do Yoga se concentrou nos ásanas, posturas que proporcionam vigor físico e beleza corporal. A prática da meditação como forma de libertação espiritual ficou em segundo plano. A cultura de valorização do corpo e da aparência física é alimentada pela sociedade de consumo, principalmente na contemporaneidade.

Muitas pessoas não conseguem fazer Yoga e, principalmente, praticar meditação sob a alegação de que não conseguem se concentrar nos movimentos e acalmar os pensamentos. Esse argumento revela o quanto seria benéfico para elas experienciar uma prática dessa natureza. Vivem num mundo agitado, sofrem com a ansiedade, o estresse, o medo, a angústia existencial e adoecem com muita frequência, tomando muitos medicamentos. Essas pessoas buscam resultados imediatos que, na verdade, são transitórios.

Avicena, médico e provavelmente o filósofo mais importante da tradição islâmica, dizia que “a imaginação é a metade da doença, a tranquilidade é a metade do remédio e a paciência é o primeiro passo para a cura.” Por meio desse aforismo, o filósofo destaca o poder da imaginação do sujeito na elaboração da explicação sobre seu estado de saúde, a importância da tranquilidade para a superação dos sintomas típicos de uma doença e a necessidade de cultivar a paciência no processo de cura. Essa conduta pressupõe o acesso e o desenvolvimento da nossa tecnologia interior, ou seja, das ferramentas de cura e de autogestão das nossas emoções e sentimentos.

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A meditação tem uma função muito importante em nossa trajetória de autoconhecimento, no desenvolvimento de nossa intuição e criatividade, na autogestão de das nossas vivências interiores, na relação com o mundo e com as outras pessoas. Ela favorece o silêncio interior, que proporciona a autopercepção, a autoconfiança, o esclarecimento e a sabedoria. O medo surge quando valorizamos mais a realidade exterior a nós e nos esquecemos da nossa força interior. Essa força nos dá vitalidade e nos torna proativos. O cultivo do silêncio interior não é fácil. Temos muitas vozes em nossas cabeças, que nem sempre são apenas nossas vozes: são vozes dos nossos pais, dos nossos professores, das pessoas com as quais convivemos em nossa vida cotidiana, são vozes de ontem e de hoje, do aqui e de alhures. Na maioria das vezes, são vozes que provocam, que julgam, que criticam, que desorientam… Temos que aprender a silenciá-las, temos que aprender a escutar o nosso silêncio.

A prática pedagógica da meditação possibilita o aprimoramento da nossa experiência de vida, a superação de todos os condicionamentos mentais que nós mesmos criamos ao viver os acontecimentos exteriores. Nós somos os nossos pensamentos. Assim sendo, por que não cultivamos pensamentos que transformem para melhor nossa vida, que nos tragam bem-estar, felicidade, saúde, tranquilidade e paz? Por que cultivamos tantos medos criados por nossas mentes? Afinal, o que queremos realmente para nossa vida? Enfrente o maravilhoso desafio de meditar!

Sobre o autor

Conceição Castelo Branco

Sou formada em filosofia e pedagogia. Na verdade, sou uma eterna aprendiz que, aprendendo, também ensina. Sou uma educadora em construção. Nesse processo, descobri meus talentos. Ensinar e aprender foi um deles. Trabalhei com crianças como professora alfabetizadora. Tarefa difícil e desafiadora, mas também apaixonante. Trabalhei com adolescentes e jovens de escolas públicas e particulares de ensino fundamental e médio, realidades completamente diferentes, com desafios complexos. Nesse contexto, atuei como arte-educadora, vivência que me enriqueceu extraordinariamente. Trabalhei, enfim, com jovens e adultos na universidade pública, onde pratiquei o exercício da reflexão e da crítica com maior profundidade.

Durante algum tempo, prestei serviços na Secretaria Estadual de Educação, na área de currículo, planejamento educacional e formação de profissionais de educação. Constatei que, sem a experiência do magistério, o meu trabalho jamais teria repercussão no chão da escola. Fui consultora do Ministério de Educação em alguns trabalhos, entre eles na elaboração dos Planos Municipais de Educação do Piauí. Atuei também como conselheira estadual de educação, função que exige muito estudo e conhecimento da realidade.

Em dado momento de minha carreira, resolvi escrever um livro, no qual abordei os problemas e desafios de quem assume o magistério com compromisso e responsabilidade. Seu título: "Professor, sai da caverna". Foi publicado pela editora da UFPI. Paralelamente a essas atividades, fiz o curso de instrutora de Yoga, cuja prática mantenho até o momento em que vivo. Tenho outros projetos: escrever um outro livro (dessa vez com a participação de alunos) e trabalhar Yoga com crianças de uma escola municipal da periferia de Teresina, cidade onde moro. Talvez eu continue a sonhar até o fim da vida, porque, no fundo, sei quem sou e para que estou nesse mundo.

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