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Humildade: Uma armadilha do ego?

Mulher sorrindo fazendo sinal de paz e amor com as mãos
123RF | Roman Samborskyi
Escrito por Anne Moon

São Paulo, 01 de setembro de 2020

Vamos falar sobre humildade?

Estava olhando alguns posts na internet sobre humildade, com opiniões divididas sobre o que seria humildade e o que seria ser humilde. Fiquei bem intrigada, o que me fez escrever esse artigo aqui.

Designecologist / Pexels

Alguns dizem que ser humilde é ter uma vida bem minimalista, estilo dos hippies, descartar o materialismo e as vantagens que o capitalismo nos trouxe, dizem até que é viver como um monge, totalmente desapegado das coisas do dito “mundano”; Outros dizem que seria ser submisso, se colocar em uma posição de subserviência, de obediência obrigatória, uma docilidade até mesmo exagerada; Tem pessoas que dizem que humildade é não se colocar em um patamar de superioridade e nem de inferioridade.

Tem um determinado grupo com uma opinião bem contrária e muito interessante dizendo que a humildade é uma armadilha do ego usada seja por um grupo, instituição ou a sociedade em um outro para exercer um controle sobre o outro.

Isso me deixou bem intrigada, o que seria humildade?

Vamos debater um pouco sobre os conceitos existentes em “ser humilde”.

O minimalismo são pessoas que não têm grande interesse em coisas luxuosas e estravagantes em alguns pontos, não é sobre uma vida abnegada de vaidade, de coisas materiais, pois isso é impossível! Aliás, me lembrei de um filme que eu assisti em que os personagens eram budistas e um desses personagens queria pôr em prática uma vida mais abnegada, pensava que assim viveria os preceitos de Buda. Só que ele acaba entrando em um dilema, pois ao mesmo tempo que ele se afastou das coisas materiais, ele se afastou das pessoas, do ser humano, do universo em um todo.

Mesa minimalista com cadeira, quadrinhos e vasos de plantas
Pixabay / Pexels

Fica tão enraizada essa ideia de que o material é algo ruim, negativo, sendo que o que estamos lidando nesse plano aqui é o material. Usufruímos dele e por ele estamos todos interligados como parte de um todo.

Necessitamos uns dos outros, seja da comida que compramos, existem pessoas que foram lá, plantaram, cultivaram, distribuíram para que chegasse até a gente e podermos nos alimentar; até para nascermos nesse plano, o conhecimento que adquirimos, antes de nós havia alguém já com tudo isso. Eu escrevo esses artigos porque teve alguém antes de mim com o conhecimento e assim alguém vai pegar todo esse conhecimento que estou passando e vai repassar para outras pessoas.

Então o minimalismo em sua essência é uma utopia, teríamos que viver cada um isolado sem qualquer contato com o outro, seja virtual ou presencial, então uma hora ou outra iríamos precisar de alguém. Esse personagem estava se isolando dentro de uma bolha e impondo isso para os outros, estava se alienando porque confundiu os preceitos budistas com o estilo de vida hippie e se esqueceu do maior preceito budista que é o “Sangha” (Comunidade – Conviver com outras pessoas em harmonia).

O movimento hippie é uma manifestação cultural contra o sistema social existente, eles possuem uma visão muito liberal até mesmo na área sexual, conhecemos o lema muito famoso “paz e amor”. Eles buscavam espontaneidade e diferentes formas de expressar o amor. Possuíam um discurso de não violência, faziam uso de drogas com o objetivo de experimentar estados alterados da consciência. A maioria vinha de família bem-estruturada financeiramente, mas criticavam duramente o consumismo, então a maior parte deles também não tinham uma profissão ou residência fixa. O que são coisas que o budismo vai para um lado um pouco diferente. Budismo é uma religião que tem como UM dos grandes preceitos a compaixão pelo todo, a valorização do todo, a percepção de que não existe o “eu” e sim o “nós”, está tudo conectado, sendo assim não podemos descartar as coisas materiais se usufruímos delas, se os outros usufruem dela, se necessitamos delas e se os outros necessitam delas, ignorar e rejeitar isso é egoísmo e quando estamos entregues aos nossos desejos, ao invés de nos libertarmos das amarras do ego, de nos libertamos do sofrimento, ficamos aprisionados.

É polêmico esse assunto, tem pessoas que interpretam que quando se fala sobre sexo consciente e responsável, tem que ter atitude extrema de abstinência. Elas ficam revoltadas, achando que estão querendo que elas não tenham relações sexuais, fazem uma confusão chamando de “neo-hippies”, colocam todas as religiões e essa manifestação cultural em uma mesma caixa. Na verdade, colocam cultura e religião em uma mesma definição.

Sendo que cultura é todo um conjunto de costumes de uma sociedade, a religião entra como um conjunto de dogmas e comportamentos que podem sim se estender para a forma a qual uma sociedade em um todo funciona.

O que não faz sequer algum sentido, sendo que o movimento hippie é totalmente liberal nessa questão do sexo. Algumas religiões são sim mais restritas, mas não é o caso do budismo e nem do hinduísmo ou taoísmo. Tanto que existe o tantra, que seria a busca pela iluminação através do prazer, dessa troca de energia, a ativação dos chakras através de estímulos no corpo.

Mulher com expressão de prazer de olhos fechados
Valeria Boltneva / Pexels

Não é sobre se restringir, mas sim agir com consciência, não viver no piloto automático e preso aos próprios instintos. É sobre expansão da sua consciência, para tomar decisões na vida com mais inteligência, para não agirmos impulsivamente e inconsequentes, que nem crianças.

Falo isso por que as crianças normalmente não estão em uma maturidade de desenvolvimento cognitivo em que compreendem as consequências das próprias ações sobre si mesmas e sobre os outros, então elas agem com muita impulsividade, são espalhafatosas, agem com aquele exagero, não têm controle sobre si, sobre as próprias emoções e ficam bravas quando são contrariadas, aí tem que conversar com elas, explicar que é importante ouvir a palavra “não” e que nem tudo é como a gente quer que seja.

Isso faz parte de evoluir seria se colocar numa situação realista de que existe muitas coisas para aprender nessa vida. Se colocar em uma posição de aprendiz, exercendo a sua potência, não se colocar em um pedestal, beirando a prepotência e não se colocar em um fundo de poço, beirando a impotência, pois aí é entrar nas próprias sombras e para sair disso, vai exigir uma limpeza muito grande na sua vida, uma limpeza de muito lixo que ficou aí escondido. Seja uma limpeza de energias, de crenças, padrões repetitivos negativos…

Agora vamos falar sobre essa questão da subserviência, relacionado a essa questão de “ser humilde” e sobre a questão da “humildade” ser usada como uma arma para o controle do outro.

Criança com óculos grande visto de perto
Pexen Design / Pexels

Desde crianças ouvimos a frase “seja mais humilde”, que se pararmos para pensar, eram sempre ditas quando falávamos sobre alguma ambição ou falamos de alguma característica positiva em nós mesmos. Curioso, não? Isso faz parte daquela coisa de passar essa imagem de bonzinho para ter aprovação do outro, para manipular o outro… Já pensaram nisso?

Eu estava estudando psicanálise e em uma das aulas tinha esse debate sobre ser bonzinho e eu acho que encaixa bem com a questão sobre humildade.

Nessa aula, a psicanalista Dra. Cassia Rodrigues discute a semelhança e a ligação entre a figura do bonzinho com a figura manipuladora abusiva. Pessoas abusivas não se apresentam de primeira como um ser mal, agressivo, terrível como as pessoas pensam, não vai estar estampado na testa delas. Seria muito fácil para você se desviar delas, se defender e aí dificultaria o trabalho do manipulador abusivo.

A pessoa manipuladora abusiva vai sempre se apresentar a você como súper e extremamente bonzinho, a perfeição encarnada. Parece nunca se irritar ou se entristecer, aparentemente é incapaz de maldade, um jeito de falar excessivamente doce para ganhar a sua confiança, baixar suas defesas. Sabe aquela pessoa que está livre de qualquer suspeita? Então, essa idealização vai sendo plantada aos poucos em sua mente e assim começa aquele ciclo tóxico que eu falei em meu artigo sobre relacionamentos abusivos.

Um dos estágios desse ciclo é a destruição em gotas da sua autoestima, é como um veneno. Em poucas doses pode não te fazer tão mal, mas depois de um tempo vai te causar um dano enorme. Essa cobrança por “humildade”, “ser humilde”, pode sim estar relacionada com abuso nesse contexto que eu dei.

Mulher com expressão séria e mãos na gola de blusa
Ezekixl Akinnewu / Pexels

Na verdade, todos temos uma parte que é manipuladora, que é tóxica. Ninguém é um “alecrim dourado”, não existe alguém que “nunca erra”, não existe “fada sensata”, pois ninguém é 100% correto o tempo todo. Propagar essas ideias fica lado a lado com essa cultura do cancelamento, essa cobrança e fiscalização por uma postura sem nenhum erro que eu já falei em meu artigo sobre redes sociais, você pode ler lá depois de terminar sua leitura aqui.

Quando não lidamos com a parte sombra, a parte que é tóxica dentro de nós, ficamos presos no ego, no que EU quero, EU sinto e o mundo tem que fazer as minhas vontades, o mundo deve a MIM… Sendo assim, é comum ver essa cobrança por humildade quando uma pessoa se sente bem consigo mesma e não tem vergonha em ressaltar isso, ou de receber com gratidão um elogio.

Quando recebemos algum elogio, sempre entramos em modo de autodefesa.

Perceberam? Alguém fala “Você está bonita/o”, “você é muito inteligente” “você é muito incrível” respondemos “imagina, impressão sua”, “você que é”, “eu nem me arrumei hoje”, “obrigada, você também”, “Eu? Com tanta gente linda, incrível, inteligente por aí”.

É comum nos defendermos de um elogio pela crença de não merecimento, o que nos faz também querer devolver esse elogio, falando “Você também”, “você que é”, sendo que a pessoa apenas nos elogiou e fica até um clima pesado no ambiente, pois recebemos muito mal os elogios.

Mulher com expressão tensa em pé vista de frente em fundo rosa
Moose Photos / Pexels

Nós crescemos sendo ensinados a nos defender de elogios, a não aceitar elogios porque aceitar elogios seria “prepotência” e é errado aceitar, por que temos que ser “humildes”, sendo que quando você aceita elogio, você reforça qualidades em si mesmo e o universo vai mandar mais do mesmo.

Seja sincero (a), faz bem ser apreciado (a), faz bem ao ego ser elogiado (a), nos sentimos valorizados, não é?

Temos que trabalhar essa culpa dentro de nós, essa aversão pelos elogios e começar a ver como um bom presente, algo que a pessoa está fazendo de bom grado. O clima fica mais leve, o outro vai até se sentir mais estimulado a te elogiar outras vezes. Isso é algo saudável. Quando você é grato por algo, você recebe mais daquilo, pela energia que você está fluindo e pela sua reação.

Agora, vamos falar sobre essa questão de que ser humilde é ser submisso. Vamos falar sobre o que é submissão e ser submisso. Eu já ouvi pessoas falando que é se colocar abaixo de uma missão, talvez tenham essa concepção pela junção das palavras “sub+misso”, “sub+missão”, mas submissão remete a se colocar em uma posição inferior, de subserviência, de obediência compulsória, o que é bem problemático, acho que nem preciso explicar o porquê.

Essa ânsia por ter alguém sendo subserviente. Por que querer manter o outro sobre controle?

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Esse hábito de subserviência, de obedecer cegamente, sem raciocinar sobre o que está fazendo. Por que você “tem” que fazer o que faz?

Aliás, essa pergunta é uma que devemos o tempo todo fazer a nós mesmos em todas as situações. “Por que eu faço o que eu faço?”.

Quando alguém te diz que você tem que fazer ou falar determinada coisa que o outro quer, já parou para pensar sobre o porquê de ter de falar ou fazer como te dizem que você deve? Se faz sentido ou se não faz sentido?

E você? O que você entende por “humildade?” Comente lá no meu Instagram @ampeixotoo, no post que vou fazer com esse artigo.

Sobre o autor

Anne Moon

Anne Moon é uma escritora graduada em letras que nasceu e mora em São Paulo com seus pais e com o irmão mais velho. Desde criança adora escrever e contar histórias. Antes dos 10 anos já havia escrito duas histórias de ficção e uma biografia, e aos 14 anos começou a escrever o primeiro volume, “The Rise of the Fallen”, da série de livros “Dark Wings”

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