Convivendo

Redes sociais e a síndrome da vida perfeita

Ícones de várias redes sociais e aplicativos coloridos
SilverV de Getty Images no Canva
Escrito por Eu Sem Fronteiras

As redes sociais surgiram como a possibilidade de reencontrar amigos (e fazer novos), com mais praticidade. Mas temos feito bom uso delas? Como enxergamos a vida de quem seguimos? Será que, nas redes sociais, somos verdadeiramente quem somos? Tenha consciência disso, utilize-as com moderação e não caia nas armadilhas da vida de rede social!

O homem é um ser social. Já ouvimos essa afirmação em todos os lugares e em situações que justificam a nossa necessidade de interação. Sim! Dado que precisamos nos expressar, precisamos igualmente dividir nossas expressões com outras pessoas.

Falar com alguém, “trocar uma ideia”, encontrar-se com os amigos são atividades comuns na rotina de quem gosta de socializar. Mas, com a distância dos amigos de infância ou com os quais perdemos contato, esse encontro acaba sendo substituído por outros meios, como o telefone. Se tivermos muitos amigos morando longe, ou mesmo fora do país, essa é uma forma de contato pouco prática e um tanto cara.

A internet e a chegada das redes sociais

Com o advento da internet, as redes sociais surgiram como essa possibilidade de reencontrar os amigos (ou fazer novos), com mais praticidade e menor custo. Afinal de contas, conectados à web, podemos falar com pessoas do mundo inteiro.

Não há dúvidas de que as redes vieram pra ficar. Mas será que temos feito um bom uso das redes sociais? Como enxergamos a vida dos amigos que seguimos? E como enxergamos a nossa própria vida? Será que nas redes sociais somos verdadeiramente quem somos?

A necessidade de parecer o melhor

Computador e celular abertos disparando mensagens e seguidores nas redes sociais
scyther5 de Getty Images no Canva

É óbvio que as pessoas não vão se interessar em postar coisas ruins sobre a si mesmas ou sobre as coisas em geral. Até aí, faz um certo sentido, pois quem é que gosta de falar de coisa ruim? Aquele famoso meme que vemos por aí: “Se for para falar de coisa triste, a gente abre nossos boletos”.

Mas é aí que ultrapassamos um pouco essa boa intenção e passamos, em algum ponto, a incorporar um personagem – ou uma tentativa de mostrar a melhor versão de nós mesmos. Nas redes sociais, somos descolados, inteligentes, politicamente conscientes, engajados em alguma causa, empáticos e cheios de razão.

Precisamos postar o melhor ângulo daquela foto na praia, mesmo que seja necessário tirar centenas e centenas de outras fotos até achar a perfeita. A preocupação em mostrar uma perfeição que não existe também reflete na forma como nos enxergam e como enxergamos os outros.

Isso acaba se tornando uma competição silenciosa, sobre quem tem a vida mais perfeita, o filho mais inteligente, as férias dos sonhos, o marido mais maravilhoso. É uma espécie de arapuca que captura nosso ego, com base em relacionamentos e vidas que não são genuínos.

O resultado é que cada vez mais nos aprisionamos nas redes sociais – propositalmente dispostas em feeds que rolam infinitamente, para que tenhamos que ficar presos por horas, absorvendo ininterruptamente as informações sobre quem seguimos. Dessa forma, é inevitável a comparação.

Dois lados de uma nefasta moeda

De um lado, pessoas se esforçando de todas as formas para mostrar uma vida inventada, perfeita demais para ser verdade, apelando para a superexposição, muitas vezes nociva.

Não basta o sacrifício para fazer a selfie irretocável (colocando até mesmo a própria vida em risco, como já foi exaustivamente noticiado), ainda existe a necessidade de sustentar essa mentira. Inclusive existem pessoas que contraíram dívidas para manter o padrão invejado de uma vida utópica (a que ponto chegamos…).

Do outro lado, indivíduos cada vez mais frustrados e tristes por não conseguirem a mesma façanha de uma vida perfeita. O mais curioso é que muitas pessoas sabem que não é aquela maravilha toda, mas de alguma forma caem nessa armadilha, subconscientemente invejando o irreal.

O resultado de ambas as situações é uma vida de infelicidade, de incompletude, um vazio enorme que não encontra solução. Tal qual um buraco negro, esse vazio suga tudo a sua volta e transforma a vida dessas pessoas em um verdadeiro caos psicológico.

Tristeza 2.0

Existem diversos estudos associando as redes sociais a doenças psíquicas como depressão, transtorno de ansiedade e síndrome do pânico. É, as redes sociais nos ajudam a adoecer.

Em sua edição de 2019, o Indicador de Confiança Digital (ICD), levantamento conduzido pela Fundação Getúlio Vargas que avalia as perspectivas dos brasileiros em relação à tecnologia, mostrou que 41% dos jovens brasileiros consideram que as redes sociais causam sintomas como tristeza, ansiedade ou depressão.

Uma pesquisa realizada em 2017 pela Royal Society for Public Health, instituição de saúde pública do Reino Unido, indica que, se não forem utilizadas corretamente, as redes sociais podem ser prejudiciais à saúde mental. Esse estudo revelou que, nos últimos 25 anos, houve um aumento de 70% das taxas de ansiedade e depressão entre jovens de 14 a 24 anos.

A busca incessante pelos likes e seguidores costuma ser uma disputa acirrada, como um medidor que valida esses indivíduos no mundo (real ou digital). E isso não se reflete somente na excessiva exposição e na entrega de conteúdo que busca a perfeição, como também no comportamento de algumas pessoas, muitas vezes agressivo e debochado. Ou mesmo promovendo discursos de ódio, tudo para alcançar a aprovação alheia.

As consequências são brigas constantes e a atuação dos famosos trolls, em um ambiente que mais parece uma arena virtual, que nos leva a perguntar: por que odiamos tanto? Mas essa é uma questão que merece um artigo só para si.

As perguntas que não querem calar

Pessoa mexendo no celular com uma xícara de café ao lado do celular
Kerde Severin de Pexels

Por que a vida do outro mexe tanto com a gente? Por que seguimos influencers, celebridades e youtubers? Que fixação é essa pela vida alheia, mesmo quando se entrega um conteúdo de baixa qualidade, que não agrega nada de útil, apenas um lifestyle que não condiz com a realidade?

Por que alguns insistem em se manter nas redes sociais, mesmo admitindo que isso lhes faz mal? Por que sentem que a alegria do amigo é mais importante do que a sua própria? Por que não valorizam o que têm? Por que a grama do vizinho é mais verde?

A questão pode ser pelo simples fato de que não estar online, quando todo mundo está, relega a pessoa a um limbo social, como se ela estivesse apartada do que é descolado, interessante, popular, do que é moda.

Está todo mundo lá, menos você

Esse medo de estar de fora também existe mesmo entre quem é super ativo nas redes sociais, nem é preciso estar off-line pra experimentar essa sensação. Só que essa hiperatividade acaba criando uma outra emoção, suscitada por pensamentos que provocam ansiedade, ou até mesmo depressão. E isso tem nome: FoMo (do inglês “fear of missing out”, ou, em tradução livre, “medo de ficar de fora”).

FoMo é aquele sentimento ao abrir as redes sociais e ver um amigo no Rock in Rio, ou uma amiga tirando fotos em todos os brinquedos da Disney, ou aquele fim de semana que o seu casal de amigos passou numa pousada maravilhosa.

Nem precisam ser pessoas próximas, também funciona quando você vê o feed daquela celebridade em Fernando de Noronha ou “turistando” em Nova York. A impressão é que todo mundo está fazendo alguma coisa legal, menos você.

E quanto mais você se frustra com essa “realidade”, mais se sente impelido a entrar nas redes sociais para ficar checando as últimas. Isso faz com que você fique o tempo todo com o celular na mão, de olho nas redes sociais, mesmo quando está na companhia de outras pessoas, nos seus próprios eventos.

Nos piores casos, isso pode até levar você a adotar condutas com base nas expectativas geradas por essa ansiedade – como comprar os últimos lançamentos só para não ficar para trás, ou mesmo fazer coisas que as outras pessoas estão fazendo (como terminar ou engatar um relacionamento só para acompanhar o status dos seus amigos).

Uma pesquisa divulgada em 2016 pela Universidade de Essex, no Reino Unido, apontou que mais de 75% dos adultos conectados já experimentaram o FoMo. Segundo Sylvia van Enck, psicóloga do Programa de Dependências Tecnológicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FoMo é apenas um novo nome para algo que é inerente à condição humana. Esse sentimento já existia antes, mas foi potencializado por conta da abrangência que as redes sociais têm.

Portanto, as redes sociais não parecem ser as únicas vilãs para nossos comportamentos, mas, sim, são grandes potencializadoras. A chave pode estar na forma como fazemos uso delas.

“Rehab”

Algumas pessoas simplesmente resolveram fazer um “detox”, justamente porque estão sendo afetadas psicologicamente pelos efeitos da comparação de suas vidas com a perfeição postada pelos outros.

Elas decidiram dar um tempo das redes sociais, decidindo voltar quando estiverem mais maduras ou preparadas para lidar com isso.

Se esse é o seu caso, talvez esse “detox” seja uma solução. Mas não é saindo das redes sociais (mesmo que momentaneamente) que você vai resolver o seu problema. O ideal é buscar o equilíbrio. Deixamos aqui algumas dicas para você tentar lidar melhor com o fato.

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Evitando a dependência

Para evitar chegar a esse nível de dependência, saiba usar as redes sociais como uma ferramenta, tirando delas o melhor para você. Tenha foco e propósito. Pergunte a si mesmo: “O que eu quero das redes sociais?”. Crie um objetivo: é você que as utiliza, e não o contrário.

Estipule quanto tempo você vai ficar navegando em Facebook, Instagram, Twitter, YouTube… Nesse sentido, existem até aplicativos para ajudarem a criar foco (como o Forest).

Uma dica: configure seu feed para mostrar o menos possível da vida dos outros. Categorize seus amigos e especifique o quanto você quer ver de cada um, filtrando o seu feed de notícias e o tornando mais limpo e funcional.

Para quem se expõe demais

Se você está do lado de cá do problema, preocupado com a melhor foto, o melhor ângulo, a exposição da vida perfeita… busque ser de verdade. Apenas viva. Pergunte-se: “Por que essa necessidade de me expor tanto? O que eu preciso provar para as pessoas?”.

A vida não precisa ser registrada a todo instante. É bacana ter fotos para se lembrar no futuro, para um encontro – real – com os familiares, filhos, netos, amigos, com o intuito de relembrar tudo que foi vivido.

Memórias são afetivas e fazem bem ao nosso coração. Saia da bolha. Aproveite o barulho do mar, o quentinho da areia. Saboreie aquela fruta que você pegou no pé, bem no seu quintal. Curta o show do seu cantor favorito. Curta aquela viagem a dois, sem precisar tirar foto dos pares de pés. Guarde para você aquele momento engraçado do seu filho.

Você não precisa mostrar para todo mundo que está feliz. Você precisa apenas viver, sendo feliz ou não. Não precisa da aprovação das pessoas para nada.

Tem jeito pra mim?

Agora se você já apresenta essa sensação de tristeza, frustração e ansiedade, é preciso admitir e buscar ajuda. Acima de tudo, entenda que as redes sociais são apenas um potencializador do seu problema. Se não for lá, você continuará tendo problemas em qualquer outro ambiente.

Reconheça o seu próprio valor, e que sua vida é, sim, interessante. Mesmo que você não esteja nos eventos que seus amigos postam no feed. Valorize mais as coisas que você tem, seja grato por elas, de verdade.

Tenha em mente: as redes sociais não são a vida real. Não são sequer uma tentativa de refletir o que é verdade. São meras vitrines, onde se mostra aquilo que se deseja.

As pessoas não vivem o tempo todo felizes, em festas maravilhosas, em viagens espetaculares. Elas também têm problemas, dívidas, brigam com seus pares, sentem inveja, odeiam o seu trabalho em algum momento.

Ninguém é perfeito, e faz parte de um jogo deplorável mostrar o contrário. Isso pode ser reflexo de uma carência e necessidade de mostrar não só aquilo com que pretendem suscitar inveja, como também de querer acreditar que a própria vida é perfeita.

Faça uma relação sobre tudo que você admira em você, o que tem de bom. E o mais importante: não tente se encaixar nesse ideal. Ideal, como o próprio nome diz, é algo que só existe no plano das ideias, é fictício. E fictício é o oposto perfeito da realidade.

Aproveite a beleza da vida, e entenda que todo mundo tem algo de especial, que não precisa ser mostrado nem invejado. Pare de “curtir”, para poder simplesmente viver.

Garanta a integridade de seus filhos

Bebê mexendo no celular
Shopping King Louie no Canva

Como muitas das pesquisas sobre a relação entre transtornos psíquicos e redes sociais também envolvem adolescentes e jovens, é essencial manter a integridade psicológica dos seus filhos.

Em primeiro lugar, participe sempre das atividades deles nas redes sociais (até mesmo quanto à segurança, para além das questões de autoaceitação). Esteja aberto sempre ao diálogo, seja receptivo, respeite o espaço deles, mas delimite até onde eles podem ir, para o bem deles.

De forma geral, trabalhe a autoestima dos seus filhos, valide seus sentimentos. Criar seres humanos autoconfiantes e conscientes de suas qualidades (e também defeitos) é um grande auxílio para evitar que caiam nas armadilhas de se dedicarem à vida dos outros, em detrimento da própria. Seja em qualquer ambiente, não só no virtual.

É importante também valorizar os momentos em família. Tornar hábito os encontros pessoais, as conversas, ou até mesmo uma ligação telefônica de vez em quando. Fale sobre dar importância às pessoas, de ouvir, estar junto e mostrar que a vida está acontecendo fora das telas.

Agora, é essencial que você também dê o exemplo, porque não adianta cobrar presença se você também é um aficionado pelas redes sociais e não larga seu celular em vez de curtir os momentos com seus filhos e sua família, na vida real.

Extra: debandada

Existe uma tendência, ainda tímida, porém crescente, de pessoas que estão abandonando de vez as redes sociais. Os motivos são vários: para umas, as redes atuais não são mais interessantes ou nunca interessaram.

Tem gente que se cansou das polarizações, brigas e discursos de ódio, curiosamente alimentados pelas próprias redes sociais, ainda que digam que tais atos ferem as suas diretrizes.

Existem aqueles que simplesmente estão preocupados com sua privacidade, e consideram as redes sociais um lugar perigoso para abrigar seus dados.

Para quem sempre desconfiou dos algoritmos e de como é visto como um “produto” – numa relação em que seus dados são moeda de troca para anunciantes bombardearem sua timeline com propaganda, e em que tudo parece um artifício deles para condicionar nosso comportamento em benefício próprio –, fica uma dica interessante: o livro “Dez Argumentos para Você Deletar Agora suas Redes Sociais”, de Jaron Lanier, um dos precursores da realidade virtual e um dos maiores entendedores do assunto no mundo.

Ele é uma grande referência no Vale do Silício, e aborda com consistência e autoridade várias questões que vão fazer você repensar a forma como enxerga as redes sociais, e também como se comporta dentro delas.

Boa leitura!

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