Nos últimos anos, cresceu uma figura curiosa e muito presente nas redes sociais: o jovem místico. Ele aparece em fotos com cristais, banhos de ervas, tarôs e frases que misturam autoconhecimento com estética de filtro vintage. É um personagem que diz viver pela intuição, guiado por sinais do universo, sempre em busca de “energia boa”. Só que, por trás da aura de sabedoria precoce, muitas vezes há uma desconexão com a vida real.
A própria mídia já percebeu esse fenômeno. Uma matéria do UOL chamou o jovem místico de um expoente da geração “nem, nem, nem”: nem trabalha, nem estuda, nem quer saber de responsabilidade. O discurso espiritual vira uma desculpa para se afastar do mundo. “Não estou improdutivo, estou em processo”, dizem. Só que o processo parece não ter fim. A espiritualidade é usada como um argumento para justificar o vazio, o tédio e até a inércia.
Mas o jovem místico não tem idade. Há também as senhoras místicas, os senhores, os coaches, os terapeutas improvisados. Pessoas que se apropriam do vocabulário espiritual para mascarar a própria confusão interna. Todos fazem parte do mesmo grupo que confunde espiritualidade com performance. É o fingimento de estar “em paz”, quando na verdade se vive um caos disfarçado de equilíbrio.
Esse tipo de comportamento precisa acabar. Precisa acabar o hábito de atribuir tudo ao “universo”. Nem sempre a intuição falou, às vezes foi ansiedade. Nem sempre a energia está pesada, às vezes é só falta de sono. Nem sempre o “sinal” é um aviso místico, pode ser o corpo pedindo atenção. É cômodo espiritualizar o que, na verdade, exige maturidade, cuidado e discernimento.
Há quem use frases prontas para parecer profundo, mas foge de conversas sinceras. Há quem acenda incensos e tome cacau ritualístico, mas trate mal os pais, os parceiros e os colegas de trabalho. Há quem diga que “não se envolve com energia densa”, mas está sempre falando mal dos outros. O discurso é puro, o comportamento nem tanto.
Essa versão de espiritualidade virou produto. Está no Instagram, em vídeos de um minuto, em feeds impecáveis, em retiros que prometem consciência em um fim de semana. Vende-se uma vida que parece calma, mas é só mais uma vitrine. O problema não está nas práticas em si, mas no uso vazio que se faz delas. Não é o cristal, o tarô ou o reiki que enganam, é a maneira como viraram cenário para uma vida inventada.
Espiritualidade de verdade é o que acontece fora do feed. É o modo como você lida com quem te irrita, com o vizinho barulhento, com o pai que pensa diferente. Está em respeitar o caixa do mercado, em ouvir antes de reagir, em reconhecer quando se erra. É quando você paga suas contas, encara suas falhas, pede desculpas e segue em frente. Não há nada de místico nisso, mas há verdade.
Ela também aparece nas pequenas escolhas do cotidiano: comer com atenção, cuidar da casa, estar inteiro numa conversa, admitir que não sabe. Espiritualidade é humildade em forma de gesto. É perceber o divino no simples, sem precisar se exibir como alguém que vive “em vibração elevada”.
Já conheci muitos jovens místicos que causaram mais estragos emocionais do que pessoas consideradas céticas. A falsa iluminação é perigosa porque cria uma sensação de superioridade moral. Disfarça o ego com incensos e mantras. E o resultado são relações cheias de manipulação sutil, onde o outro é sempre o “menos desperto”.
Curiosamente, também já encontrei ateus que pareciam viver em profunda conexão com algo maior. Gente que não fala em alma, mas age com compaixão. Que não cita o universo, mas pratica a bondade. A espiritualidade pode existir sem religião, sem ritual e sem discurso. O que a define é a qualidade da presença, não a estética da fé.
Talvez o que precise acabar não seja o interesse pelo espiritual, mas a fantasia de que ele é um espetáculo. Que precisa ser mostrado, explicado, validado. A verdadeira busca é silenciosa e não precisa de aplausos.
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No fundo, tudo isso fala sobre honestidade. O jovem místico precisa acabar porque ele é, antes de tudo, uma invenção. Uma máscara de quem quer parecer evoluído, mas teme encarar o próprio ego. Quando essa máscara cai, o que sobra é o humano comum, frágil, contraditório, vivo. E é aí que começa a espiritualidade de verdade: quando se aceita ser só humano.
Então talvez a pergunta não seja “como se tornar mais espiritual”, mas algo mais direto e desafiador: quantas das suas atitudes espirituais ainda servem apenas para esconder quem você é?
