Autoconhecimento Convivendo Saúde Integral

Ser forte na vida… Falta de vulnerabilidade???

Silhueta de pessoa forte segurando uma pedra enorme sobre a sua cabeça. Ao fundo o céu laranja graças ao pôr do sol.
Escrito por Anne Moon

Por Anne Moon. São Paulo, 23 de setembro de 2019

Ser forte na vida… Falta de vulnerabilidade…? Ir ao limite e além?

É uma coisa que sempre reflito sobre, pois ouvindo tanto que temos que ser fortes, resilientes com os desafios na vida, reparo que, muitas vezes, nos permitimos estar em situações desagradáveis desnecessariamente e nos mantemos nisso, apenas por “sermos” fortes.

Claro que nem tem como sempre prever quando uma situação nem um pouco legal está à nossa frente, mas, se temos consciência do que ocorre à nossa volta, saímos dessa assim que nos aparece. Praticamos o perdão e ficamos em alerta.

Falo daqueles casos em que já é bem nítido desde o início que é cilada e em vez de a pessoa ter bom senso e sair, ela continua, por querer se mostrar forte. Mas me pergunto: Se mostrar forte para quem? É para mostrar aos outros que você “está por cima”? Ou melhor dizendo, uma competição de quem sofre mais e dá a volta por cima?

Temos um encanto muito grande pela jornada do herói. Ulisses, Hércules, Ilíada, Édipo… Não é verdade? Passam-se milhares de anos e esse mesmo estilo de história é o mais consumido. Não posso falar muito sobre esse assunto, pois eu mesma usei essa estética em minha série de livros “Dark Wings” e esse tipo de estética aproxima o leitor da história.

homem e menina vestidos de heróis

Quando lemos algo assim, pensamos “Poxa, essa pessoa veio de lá de baixo e conseguiu se dar bem”, nos identificamos com o personagem, até mesmo vem aquele pensamento de “Deu certo para ela, vai dar certo para mim também”.

Essa estratégia sempre funciona e não só na criação de histórias, mas também no marketing. Quantas vezes não vemos histórias de vida de artistas, empresas, empresários que começaram de lá de baixo, muita luta e em um golpe do destino, venceram na vida?

Isso significa que todas essas histórias são falsas, puro marketing? Não. Estou apenas mostrando que esse plot típico do personagem que não parecia grandes coisas, até vencer na vida, no marketing chamam isso de “storytelling”, a superação, sabe? São pessoas com histórias incríveis que usaram isso para engajar, tornar isso uma marca pessoal. Eu mesma conheço pessoas que há um tempo, não eram nem um pouco conhecidos e hoje estão até tendo reconhecimento internacional.

Ou seja, um storytelling foi usado como um produto vendável e continuará sendo enquanto ainda tivermos essa fascinação por histórias de superação. Veja isso de forma neutra. O meu ponto aqui é sobre a glamourização do sofrimento, a crença limitante de que a vida só vale a pena quando você sofre e é forte para sobreviver a isso, as pessoas até se vangloriam de seu sofrimento, pois, olha só como a pessoa foi um coitado na vida e agora é um vencedor. Ouvimos muito as frases “o que vem fácil, vai fácil”, “só dá valor quando perde”, “Tem que sofrer muito na vida para dar valor”, “Quando a esmola é grande, o santo desconfia”.

Quando falamos que algo que vem fácil, vai fácil, estamos decretando a falta, a escassez em nossas vidas e que tem que haver mais sofrimento, muito mais disso, pois é isso que seu inconsciente está dizendo.

Se você só dá valor quando perde algo, é uma crença limitante do coletivo, não é a regra, é algo relativo.
O que significa é que determinada coisa terá o valor para mim, dependendo de minhas crenças e não o que me for imposto; vice-versa.

Quando alguém faz algo bom a você, ou algo bom acontece, por mais inesperado que seja, agradeça: a gratidão só atrai mais coisas as quais ser grato. Não preciso sofrer para aprender e nem para dar valor, o sofrimento é a resistência diante de mudanças, é o apego.

Se você tem que sempre sofrer para dar valor, existe algo em você que terá que deixar ir. Existe a dor, pois existe sempre algo para trabalharmos em nossa vida. Tem como sentir a dor sem sofrer.

Já que estamos falando disso, vou exemplificar e questionar esse tipo de crença que nada mais é do que um senso comum. Conheci pessoas que sofreram e sofrem muito que não evoluíram, nunca encontraram algum aprendizado, que eu tive que conversar com a pessoa, avaliar a situação com ela e ouvir “Ah, mas a minha situação é diferente”, “a vida é assim mesmo”.

homem tentando consolar amigo

Aí, lógico, tive que deixar esse caso de lado, não tenho como ajudar quem não permite ser ajudado. Além do mais, não interfiro e nem tenho o direito de interferir no processo de evolução de ninguém e no dia que cair a ficha e quiser que eu ajude, pois não sou responsável pelas atitudes de ninguém.

Como disse uma vez, o mestre Giridhari Das, são escolhas, um estilo de vida que a pessoa vem levando ao longo da vida. Como já falei em um outro artigo, tem pessoas que passam por essa vida e não evoluem, que vão ficar “batendo a cabeça” no mesmo problema igual ao personagem “Homer Simpson” da sitcom “The Simpsons”, da emissora Fox.

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Agora, indo para um outro extremo, me lembro de quando eu era criança, no instituto da criança do HC. Vi crianças em situações bem complicadas – não querendo colocar glamour em qualquer tipo de caso clínico e muito menos trazer um discurso capacitista. Aquelas crianças sorriam, brincavam, tinham um brilho no olhar que me inspirava na conversa com cada uma delas. Assim como duas meninas com quem fiz amizade, que conheci aos 4 ou 6 anos e que tinham necessidades especiais.

Sim, nunca vi isso como algo “extraordinário”, afinal, sempre gostei de conhecer pessoas, de todos os tipos. Conhecendo as diferenças, com olhar de equidade. Esse é um dos preceitos do budismo que sempre adorei, embora naquela época, criança, eu não entendesse o conceito de equidade, mesmo praticando.

Vocês acham que elas não tinham consciência da situação em que estavam? Claro que tinham consciência disso! Mas escolheram focar no que estava bom e não no que estava ruim. Tem coisas que não nos cabe mudar e tudo bem, já falei que temos que parar com o complexo de herói, que salva o mundo, imbatível… Façamos pelo outro dentro do possível.

Reflita sobre isso: Quando tenho dor, sei que ela está ali, mas não foco na dor em si, não sofro por ela e sim, encontro formas de tirar de vez essa dor de mim.

Vocês sabem sobre minha condição genética Síndrome de Turner, que até mencionei em artigos anteriores, certo?

Há um tempo eu achava que não era para falar sobre, cresci ouvindo de familiares para não procurar saber sobre a Turner para não ficar com isso na mente. Havia até um desespero para que eu não falasse para as pessoas sobre a Turner, pois realmente é algo que para mim foi complicado de explicar.

Quando me uso como exemplo, aí que confunde as pessoas, até mesmo especialistas da área de endocrinologia, ginecologia, por eu ser um caso à parte que não apresenta tantos traços dessa condição genética.

Por crenças familiares, eu acreditava que falar, pesquisar sobre, ia atrair isso para mim, havia falhas em mim e não me permitia falhas, isso seria fraqueza. Eu tentava de todos os jeitos separar a mulher que eu sou dessa condição genética, como se fossem coisas distintas. E, se eu me associasse à Turner, isso ofuscaria todas as minhas conquistas, tudo o que me tornei. Me vinha o pensamento “Falam que essa condição genética traz tais características, mas não me vejo nelas, tem alguma coisa errada aí”.

O que me fez mudar isso foi o encontro do Grupo de Apoio a Mulheres Turner e uma endocrinologista que deu uma palestra nesse evento sobre o que era essa síndrome, quais eram os estigmas e estereótipos, padrões estéticos…

Mulher dando palestra

Enfim, essa especialista me fez refletir sobre a questão que a sociedade impõe sobre falhas, sobre a necessidade de ser forte, e cheguei à conclusão de que não posso separar a Turner da mulher aqui que escreve para o “Eu Sem Fronteiras”.

Não é como separar a pessoa que eu sou quando estou escrevendo, dando aula, quando surge algum compromisso de escritora como palestras, eventos literários; separar da pessoa fora de tudo isso.

Me fez olhar tudo isso por um outro ponto de vista. O ponto de vista de que isso faz parte de mim, quem eu sou, da minha história e que o meu processo de aceitação dependia que eu trabalhasse essa parte também.

Estou falando sobre isso para “ganhar biscoito” ou tratamento diferenciado? Não e isso seria a pior coisa que você poderia fazer com alguém. Ninguém é igual a ninguém, nem inferior ou superior.

Então, estou falando isso por ser divertido ter síndrome de Turner? Não, não é divertido, mas estamos aqui e conseguimos ter uma vida normalmente. Isso está se tornando cada vez mais comum, graças à ciência, as nossas participações nas pesquisas e o nosso posicionamento de falar sobre.

mulheres profissões

Conheci mulheres Turner que são advogadas, psicólogas, professoras, nutricionistas e até coach de estilo. E tem a escritora e autora de série de livros que vos escreve aqui, que sempre publica artigos.

Por isso venho com esse questionamento sobre o que seria ser forte. Escuto muito que seria não ser abalável e o curioso é ver a pessoa se permitindo permanecer em determinadas situações desnecessariamente, apenas para mostrar que é forte.

Um ego em excesso que faz com que se crie couraças em volta dessa pessoa, como uma resposta do próprio corpo, pois o corpo entende “não quero sofrer, tenho que me proteger”, assim criando bloqueios.

Já vi pessoas que se mostravam fortes, imbatíveis, inabaláveis, que olhei de primeira e vi que não eram isso, não eram 100% daquilo que projetavam. Talvez por naquele exato momento estarem abaladas, em uma situação de vulnerabilidade. Nenhum problema nisso.

Assumir quem você é, a sua história, com orgulho, até mesmo de pontos nem tão bons, isso faz parte da aceitação.
 Ser forte não é ser invulnerável, ter muros construídos pelo orgulho e o ego como uma forma de proteção que nos foi passado de geração em geração há milênios, desde a época em que precisávamos nos defender de animais selvagens e caçar.

Quando estávamos em alguma situação de ameaça, nosso corpo rapidamente entrava em alerta. Isso funcionava naquela época, mas hoje em dia não temos a necessidade de lutar contra predadores. Ainda bem, né? Já pensou se até hoje tivéssemos que brigar com animais selvagens ou correr deles? Eu não duraria muito tempo, correr não é uma das minhas habilidades.

Infelizmente, mesmo hoje não tendo que enfrentar tudo isso, o corpo ainda responde de forma igual diante de ameaças. Ainda temos o costume de criar couraças, pois não queremos sofrer, nosso corpo quer evitar a todo custo, quer nos proteger. Em contrapartida, nos mantemos em situações ruins, nos apegamos e acumulamos lixo emocional em nossas vidas, apenas para se afirmar como “um ser forte”.

mulher angustiada

O curioso a se pensar sobre isso é que nosso corpo sente, nosso corpo fala. Quando nos mantemos em situações ruins, só para podermos dizer que somos fortes e superamos situações difíceis, o corpo avisa, seja por alguma dor, alguma doença ou a queda na imunidade.

Estou falando alguma besteira aqui? Não! Ficamos tão fissurados em sermos fortes, inabaláveis 100% do tempo, negando qualquer vulnerabilidade, agindo igual máquinas, que não possuem qualquer rastro de sentimentos… Me diga, o que se pode esperar como consequência de tudo isso?

A cobrança para sermos invulneráveis, negamos a nossa humanidade, nos iludimos. Não é vergonhoso, nem um ato covarde perceber suas vulnerabilidades. O que te torna forte é a forma com a qual você age a tais situações e pessoas.

Como eu disse anteriormente, não tem como sempre sabermos quando uma situação ruim está à nossa frente, quando nos metemos em uma encrenca. Mas, quando estamos dentro dessas situações ruins, nos vem um alerta na mente nos pedindo para dar um passo atrás. São sinais, que mais parecem uma placa com a palavra “Perigo” piscando em vermelho neon, piscando várias vezes.

Quando surgem esses alertas deveríamos fazer o que mesmo? Claro que fugir para as colinas o mais rápido possível.

Mas o que fazemos na maioria das vezes, é continuar nessas situações, por mais sinais sejam enviados. Mesmo esses sinais praticamente batendo em nossas caras. Assim nos enfiamos em situações as quais são difíceis sair, simplesmente pela insegurança, medo de aceitar nossas fraquezas, que alguém as veja.

Conhecer e aceitar nossas fraquezas faz parte do autoconhecimento, de conhecer seu lado sombra e seu lado luz, assim equilibrando os dois (yin e yang), como você lida com cada um.

Mesmo os mais espiritualizados e iluminados passam por isso, porque mesmo atingindo um nível de iluminação, ao qual chama-se “Nirvana”, ainda há a necessidade de manter o equilíbrio e a harmonia. Shakyamuni buddha é um grande exemplo disso.

Existe uma história de quando Buda enfrentou as tentações. Na época em que Buda estava seguindo o caminho da iluminação, em busca do “nirvana”, meditando embaixo da árvore do conhecimento “árvore boddhi”, quando Mara (rei dos demônios que representa o ego, as ilusões) decidiu testá-lo.

buda meditando

Começou tentando fazê-lo duvidar e Buda dizia a vida ter ganho um novo sentido e que não se apegava a desejos. Mara então tentou apressar o iluminado para que entrasse no nirvana logo, o que o fez duvidar, mas colocou em mente que compartilhar uma consciência elevada com os outros está acima do seu próprio bem-estar.

Mara, sabendo que seu poder de desvirtuar a humanidade estava enfraquecendo, mandou muitas distrações durante a noite. Sede, luxúria, insatisfação e distrações prazerosas. Ao longo da meditação, Shakyamuni tinha visões de exércitos o atacando das formas mais horrendas.

Mara mandou seu exército para destruir o iluminado, mas ele conseguiu reverter tudo isso em harmonia, pureza e as armas se tornando flores.

Então, o demônio mandou suas três filhas: Desejo, cobiça e o prazer, em forma de belas mulheres, tentando seduzi-lo. Já outros foram em forma de animais selvagens, mas os rosnados e ameaças não conseguiram tirá-lo do caminho da iluminação. Não funcionou, ele se manteve firme.

Por que contei essa história? Porque o próprio Buda teve que enfrentar a si mesmo para se iluminar, ele não negou a sua humanidade e sim escolheu como agiria em relação a isso. Essa história é o maior exemplo de não nos permitirmos entrar e se manter em situações desnecessárias e destrutivas.

Gosto dessa narrativa, pois mostra que além de Buda ser como nós, de ter que enfrentar suas próprias sombras, mostra que qualquer um pode chegar ao nível máximo de iluminação, ele mesmo já disse isso.

Outra coisa sensacional sobre ele é quando conversa com Mara em uma caverna, quando Mara não queria mais ser trevas e sim luz, igual a Shakyamuni. O iluminado vira para o demônio e mostra a perspectiva de que não há luz sem trevas, ou seja, não há Buda sem Mara.

Todos nós temos Buda e Mara em nossas vidas e negando a existência dos dois não é ser forte, é negar a si mesmo. Não são divindades, entidades que vão ser uma pedra no caminho ou uma luz no fim do túnel e sim nós mesmos, pois cada um vibra em frequências diferentes.

Não negue suas fraquezas, receba-as com empatia e trabalhe cada uma delas, se conhecendo.

Sem conhecimento sobre si mesmo, você fica que nem uma esponja, onde qualquer um pode despejar o próprio lixo emocional, aceitando todo o tipo de crença limitante e situação desagradável por não compreender e impor os próprios limites.

Sobre o autor

Anne Moon

Anne Moon é uma escritora graduada em letras que nasceu e mora em São Paulo com seus pais e com o irmão mais velho. Desde criança adora escrever e contar histórias. Antes dos 10 anos já havia escrito duas histórias de ficção e uma biografia, e aos 14 anos começou a escrever o primeiro volume, “The Rise of the Fallen”, da série de livros “Dark Wings”

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