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Dia Nacional da Visibilidade de Travestis e Transexuais

Homem branco segurando bandeira do orgulho transsexual.
nito500 / 123rf
Escrito por Eu Sem Fronteiras

Dentro da sigla LGBTQIAP+, há travestis e transsexuais, pessoas que não seguem os padrões de gênero e que sofrem diariamente com o preconceito e com o ódio que as cerca. Em 29 de janeiro de 2004, uma movimentação aconteceu para que esse cenário violento mudasse. Saiba mais sobre o Dia Nacional da Visibilidade de Travestis e Transexuais!

Anote aí: 29 de janeiro marca uma data de extrema importância não só para as pessoas trans, como também para a nossa evolução como sociedade. Trata-se do Dia Nacional da Visibilidade de Travestis e Transexuais, ou Dia Nacional da Visibilidade Trans.

Infelizmente, ainda não é um motivo só de celebração. Pelo contrário: é um dia para muita reflexão e aprendizado, além de trazer à luz todo tipo de violência sofrido por essas pessoas.

Chegou o momento de saber mais sobre essa data e entender os desafios que esse grupo LGBTQIA+ ainda precisa enfrentar, o que já foi conquistado, o que falta conquistar e qual é o nosso papel na construção de um mundo onde as diferenças sejam um detalhe positivo que nos une como sociedade. Boa leitura!

Origem e importância do Dia Nacional da Visibilidade de Travestis e Transexuais
O Dia Nacional da Visibilidade Trans é celebrado em 29 de janeiro porque foi nessa data, em 2004, que ativistas transgêneros e travestis foram até o Congresso Nacional, levando a campanha Travesti e Respeito.

A campanha, elaborada em parceria com o Ministério da Saúde (por meio do Programa Nacional de IST e Aids), visava não só a busca por reconhecimento e respeito em relação à diversidade de gênero, como também intensificar as ações do MS no sentido de combater as infecções sexualmente transmissíveis (IST).

Isso porque essas infecções eram frequentemente associadas à atividade de prostituição, que é, muitas vezes, a única opção de trabalho para pessoas trans. Aliás, essa associação é um entre os incontáveis estigmas de um ciclo quase infinito de marginalização dessa população.

O lançamento da campanha, por esse contexto histórico e tantas outras razões, tornou-se um marco relevantíssimo para a luta por direitos das pessoas travestis, transexuais e transgêneros. E mais do que isso: veio como um farol para iluminar com esperança o caminho escuro e tortuoso que esses indivíduos são submetidos a trilhar.

Essa é uma data de grande significado para as pessoas trans, pois não só as valoriza, mas também marca o lugar de direito delas na sociedade, como pessoas de direitos e garantias, que merecem respeito e inclusão. Além disso, destaca os desafios enfrentados por elas diariamente.

Para a perspectiva das pessoas não trans, essa data serve para conscientizar sobre a realidade dessas pessoas e chamar a todos nós, como sociedade, a promover a inclusão e a visibilização delas, bem como praticar o respeito e se educar quanto às questões de gênero, respeitando o lugar de fala delas. Enfim, vem para evocar a nossa empatia e o entendimento de que todos merecem respeito, e as diferenças são apenas detalhes que nos tornam únicos.

Desafios enfrentados pela comunidade trans

Pessoa branca com maquiagem ilustrando a bandeira trans.
Kyle / Unsplash

Os desafios da população trans são multifacetados, abrangendo inúmeros aspectos de sua vida. O primeiro deles, sem sombra de dúvida, é o preconceito em si – a transfobia. Que, diga-se de passagem, é crime!

A estigmatização também é um problema – como dissemos mais acima, sobre as ISTs e a associação às pessoas trans e travestis. Precisamos enxergar essas pessoas como o que elas realmente são: pessoas. Assim como nós.

Uma questão de saúde

O acesso a cuidados de saúde adequados também é um entrave na vida delas. Seja pela falta de consenso, seja pela falta de sensibilidade quanto às necessidades dessas pessoas. Isso interfere na qualidade de vida (física e emocional) por conta de impedimentos, por exemplo, a tratamentos hormonais ou a cirurgias de redesignação de gênero – caso desejem fazê-la.

Existem muitas lacunas no sistema de saúde que deixam essa parcela da população desassistida, invisibilizada e negligenciada.

Falta de inclusão no dia a dia

As pessoas trans já travam batalhas internas de autoaceitação, e ainda têm que lidar com a falta de acolhimento familiar (na maioria das vezes), problemas de saúde mental – não só pela discriminação, mas também por essa luta interior –, inviabilidade para trabalhar e estudar, ou mesmo para tirar um simples documento.

Pela questão da impossibilidade de trabalhar ou estudar, as pessoas trans não conseguem uma independência financeira, ou o aperfeiçoamento de seus conhecimentos para angariar uma vida melhor.

Há também as questões legais e burocráticas, como já mencionamos mais acima, no caso da emissão de documentos – o que cria uma bola de neve, obstando direitos básicos e a participação delas com cidadãs.

Por último, mas não menos importante, ainda tem a questão da violência. O Brasil é o país que mais mata pessoas trans. E é um campeão na repetição, já que figuramos essa lista pela décima quarta vez seguida, de acordo com o relatório emitido pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

Avanços e retrocessos na legislação e políticas públicas

Ao longo dos últimos 30 anos, muita coisa vem acontecendo no cenário da luta trans. Por exemplo, nos anos 90, os movimentos sociais e organizações LGBTQIA+ começam a ganhar força, sobretudo para reivindicar o reconhecimento e a proteção desses grupos.
Ainda nessa década, devido à epidemia do HIV/Aids, começam a ser estruturadas as políticas de saúde voltadas para essa comunidade. Nesse período, essas políticas começaram a se intensificar.

Um novo século, um novo olhar

Em 2004, saindo do âmbito da saúde, o programa Brasil Sem Homofobia foi lançado, dando enfoque a segurança, educação e cultura – um marco na trajetória das políticas voltadas a essa população. Além disso, a Lei Maria da Penha se estendeu para a união homoafetiva feminina.

Em 2013, em meio a alguns retrocessos, como o aumento da violência e o episódio tão nefasto quanto jocoso do “kit gay” – apelido calunioso ao material didático que ajudaria a educar a população –, o SUS passou a ampliar o atendimento completo para travestis, transexuais e transgêneros, cobrindo terapia hormonal e cirurgia de redesignação de gênero, além de incluir o nome social no cartão de saúde.

Em 2018, numa decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) transexuais e travestis ganharam o direito de alterar o nome e gênero em seus registros civis, mesmo sem precisarem se submeter à cirurgia de redesignação sexual.

Em 2019, a homofobia e a transfobia passaram a ser crimes – outra iniciativa do STF, que decidiu criminalizar comportamentos que “envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém”.

Um período extremamente difícil

Porém houve retrocessos significativos a partir desse mesmo ano, durante o governo Bolsonaro – desde a escolha de uma líder avessa às políticas LGBTQIA+ em pasta que versa justamente sobre direitos humanos.

Outros recuos importantes foram a reformulação do Conselho Nacional de Combate à Discriminação, o corte de orçamento direcionado a políticas LGBTQIA+, o fechamento do Departamento de Promoção dos Direitos de LGBT, revogação da 4ª Conferência LGBT. Ou seja, foi um governo de muita involução no que diz respeito à causa LGBTQIA+, retrato de um posicionamento ultraconservador e que optou por dar passos atrás e voltar a excluir minorias.

Transfobia e seus impactos

A transfobia tem impactos profundos e prejudiciais em todos os aspectos da vida das pessoas trans e travestis.

Quanto aos impactos psicológicos, podemos listar problemas emocionais, depressão, ansiedade, síndrome do pânico, isolamento social, problemas de autoestima, insônia, temor, e uma série de outros distúrbios, que podem variar de pessoa para pessoa.
No âmbito profissional, temos a discriminação também nas empresas, seja na relação horizontal (com colegas) ou vertical (com superiores e/ou subordinados – isso quando chegam a cargos de chefia), o que pode obstar o crescimento dessa pessoa.

Na saúde, quando o atendimento é negligente, discriminatório ou inadequado, pode também ocorrer o abandono de algum tratamento e a piora de uma possível doença.

Na segurança, o medo de ir à polícia e ser ridicularizada ou ter o problema minimizado também pode afastar essa pessoa de correr atrás do seu direito, prestar uma queixa ou buscar orientação.

Na educação, devido a uma possível discriminação por parte de colegas ou professores pode ocorrer desmotivação, prejudicando o desempenho acadêmico.

No geral, o preconceito também pode fazer com que essa pessoa se sinta inadequada, tendo problemas de autoimagem. Sem falar no medo de sair ou se posicionar, devido à violência gratuita infligida a esse grupo.

Saúde mental e bem-estar das pessoas trans

Já mencionamos acima os problemas psicológicos que uma pessoa trans pode enfrentar ao longo de sua vida.

Por isso, aqui vamos nos ater ao que pode ser feito para trazer soluções. Portanto, é crucial que haja acesso a serviços de saúde e acompanhamento médico especializado e apropriado às necessidades específicas dessas pessoas.

No aspecto psicológico, é essencial haver um espaço seguro e adequado, que realmente entenda e respeite a individualidade dela. Um profissional que faça com que essa pessoa se sinta acolhida, respeitada e valorizada. Ou seja, alguém que esteja familiarizado com a realidade desse grupo.

No âmbito de tratamentos para redesignação de gênero, o SUS oferece o procedimento desde 2010 para mulheres e desde 2019 para homens, porém há relatos de grande tempo de espera na fila para o procedimento.

A aceitação e o respeito da família também contam muito para a construção de uma saúde mental adequada. O respeito, acima de tudo, deve ser a tônica da relação familiar.

Representatividade e visibilidade trans na mídia e sociedade

Quando você vê um comercial com uma pessoa que se parece com você – fisicamente, por exemplo –, é muito reconfortante, gera identificação. Especialmente se você faz parte de uma minoria que não tinha espaço na mídia até algum tempo atrás.

A representação positiva de pessoas trans em diversos contextos não só desfaz preconceitos como promove a empatia. Com a visibilidade, a autoestima dessas pessoas ganha um reforço e elas se sentem incluídas, parte de algo real, vendo que há espaços sendo ocupados pela diversidade. E isso é incrível. É mostrar gente de verdade, e não padrões excludentes.

Por falar em gente de verdade, um aparte aqui: é para retratar pessoas reais, e não estereótipos ou personagens e tipos que se encaixam apenas para alívio cômico. Uma pessoa trans pode ter um relacionamento sólido, ela vai ao supermercado, ela paga boletos, ela realiza feitos importantes. Ela não é um apanhado de trejeitos e bordões.

Além disso, a influência da mídia é crucial para trazer representação e promover o encontro das pessoas trans com os personagens que sentem e têm certeza de que foram inspirados nelas.

Tudo sobre identidade de gênero

Movimentos e organizações de apoio à comunidade trans

ONGS, movimentos e coletivos têm um papel fundamental no apoio à população trans, uma vez que se empenham em advogar direitos e defender sua melhoria e manutenção. Entidades como a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e o Grupo de Resistência Asa Branca desenvolvem ações que visam promover a cidadania das pessoas trans e travestis.

O projeto Transcidadania (iniciativa do município de São Paulo) capacita pessoas trans por meio de educação e treinamento profissional, além de oferecer apoio jurídico, social e pedagógico.

A Casa Chama foi fundada em 2019, no estado de SP, com o objetivo de amparar pessoas trans em assuntos de saúde, assistência jurídica e projetos culturais. Promove acolhimento presencial e remoto e conta com o apoio de voluntários e doações para manter suas ações.

O Instituto TransViver está localizado no estado de Pernambuco e é voltado para homens e mulheres trans, com foco em garantir sua inserção na sociedade por meio de capacitação profissional e empregabilidade, além de acolher pessoas em situação de vulnerabilidade social. Também aceita doações, para seguir com seu trabalho.

Há muitas outras entidades, voltadas para a causa LGBTQIA+ no contexto geral e também focadas no público trans. Vale a pena conferir, conhecer, se informar e – por que não? – ajudar.

Conquistas e desafios na luta por direitos trans

Além de tudo que já mencionamos no que diz respeito aos avanços na causa trans, consideramos essencial falar sobre as pessoas que conquistaram espaços relevantes e efetivos nessa missão.

A primeira delas é Fernanda Benvenutty, técnica em enfermagem paraibana, é militante transexual. Foi presidente fundadora da Associação das Travestis da Paraíba e vice-presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), entidade citada no tópico anterior.

Kátia Tapety é outro exemplo de inspiração. Negra, nordestina e primeira travesti eleita para um cargo político no Brasil (fato ocorrido em 1992). Já ocupou cargos de vereadora (em 1992, 1996 e 2000) e vice-prefeita, além de ter sido presidente da Câmara Municipal – todos três em Colônia do Piauí.

Por fim, temos Keila Simpson, ativista do movimento LGBTQIA+ desde a década de 90 e primeira pessoa trans a se tornar Doutora Honoris Causa em vida, Keila é presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

São pessoas nas quais se inspirar, não só porque chegaram onde estão agora (com a certeza de que irão além), mas por terem se dedicado com força, resiliência e resistência!

Educação e sensibilização sobre identidade de gênero

Menino branco com pintura da bandeira transexual no rosto.
Rosemary Ketchum / Pexels

Conforme tudo que já expusemos aqui, reafirmamos que legislações mais específicas e rígidas, criminalização de condutas, são cruciais para garantir de forma mais incisiva os direitos das pessoas trans.

Mas é só por meio da educação que vamos mudar o quadro geral. Em primeiro lugar, empatia sempre, não da boca para fora, mas, de forma genuína, interessada de fato no outro.

Aprender sobre a realidade do outro, dar espaço para que ele se manifeste, pois ele está em seu lugar de fala, são iniciativas muito válidas.

Educação inclusiva e respeitosa sobre identidade de gênero é fundamental para uma sociedade mais justa, igualitária e que não discrimina. Isso começa em casa, e se intensifica na escola.

Uma boa proposta é investir em um ensino que aborde as diferenças de forma natural, além de contar com profissionais de educação preparados, inclusive, para lidar com casos de discriminação, criando um ambiente consciente e seguro.

Você também pode gostar:

Programas de conscientização, palestras, mais representatividade positiva nas mídias são boas opções.

Desmistificar conceitos arraigados no ódio também é um passo importante nessa longa caminhada rumo a um mundo que inclui, em vez de marginalizar.

Todas essas iniciativas contribuem não só para a nossa melhoria como sociedade, como também – e principalmente – para o bem-estar físico e emocional das pessoas trans.

O Dia Nacional da Visibilidade Trans é uma oportunidade para que todos nós passemos a refletir de forma mais séria e comprometida com a realidade das pessoas trans, entendendo-as e respeitando-as como seres humanos, sendo empáticos e inclusivos, dando-lhes segurança emocional, acolhimento e visibilização. Ainda estamos muito longe de um quadro ideal ou mesmo satisfatório. Há muita luta pela frente, muitas mudanças necessários, desafios a serem transpostos… muito chão pela frente. Sem clichês: essa é uma causa de todos nós!

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