Autoconhecimento Comportamento

EPISÓDIO V DA SÉRIE: A conturbada relação de uma aranha e sua mosca – Aprendendo a lidar com portadores do Transtorno de Personalidade Narcisista

Uma mulher observando-se num espelho.
GingerKitten / Shutterstock

É bem conhecido o ditado – principalmente entre filósofos e historiadores – de que “a única coisa que não muda nesta vida é a mudança”. Mas, em nenhum outro contexto humano, essa verdade se faz tão evidente quanto no mundo paralelo habitado pelo narcisista, malgrado todos os seus esforços de se apresentar como o mais estável e seguro dentre os mortais. Como já dito no episódio anterior, os altos e baixos na vida dessa personagem parecem navegar num lapso do espaço-tempo, capaz de estarrecer qualquer observador pela velocidade com que as coisas mudam em sua trajetória de “aranha” preocupada em restaurar a teia tão logo uma “mosca” lhe escape.

E essa regra não muda nem quando a posição da “mosca” na teia parece consolidada – como quando existe um casamento ou até filhos entre eles –, ele continuará descobrindo formas novas de desestruturá-la e continuar jogando por terra todos os seus sonhos. A única forma de esse ciclo cessar é se ele descobrir numa próxima vítima algo muito mais importante pra ele do que tudo que a “mosca” da vez possa lhe proporcionar. E então – desculpe o choque se você estiver na pele dela – é a hora do “bye-bye” por parte dele: você chegou ao momento do descarte, pois, a partir de agora, ele trocará seu papel anterior de “bonequinha de luxo” pelo da “pedra no sapato”, para que concretize seus novos planos. Imagino que se pergunte depois da leitura: “E o que posso fazer quanto a isso?”. E se a pergunta disser respeito à manutenção do relacionamento de vocês, então a resposta é: absolutamente nada! Não existe nada que você faça para demovê-lo disso e continuar com você, não se iluda! Mas, se o objetivo é sofrer menos, pense que precisará reforçar seu emocional e partir para a luta como única alternativa a seu favor, pelo menos a que permanecerá sob seu controle. A resposta nua e crua será sempre esta: esteja sempre preparada para essa situação e pronta para retomar as rédeas de sua vida sem gerar dependência de quem quer que seja.

Uma pessoa desalgemando-se.
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O final desse conto de terror que desabou sobre a vida da “mosca” nunca acaba de forma simples, e pode sofrer muitos reveses que a induzirão até a acreditar que a vida em comum caminha para uma solução. Se ele percebe seus novos planos “fazendo água”, por exemplo, pode tentar “ressuscitar” a “mosca” que já tem na teia para não ficar “a ver navios”, pelo menos até que já tenha uma outra em mira. E é quando tentará convencê-la de que errou – resgatando alguns itens do seu arsenal de sedução –, para que os ânimos se aplaquem. Nessas ocasiões, pode oferecer até “provas de amor” em forma de presentes caros, de preferência que não tenham saído de seu bolso, mas por meio de golpes aplicados em terceiros. Só como ilustração, ele poderá surpreendê-la com a compra de um carro “em nome dela”, como prova incontestável de seu “amor profundo”. Fato contínuo, ela poderá descobrir que ele só comprou o carro em seu nome porque tinha a ficha suja no mercado e não poderia adquiri-lo em seu próprio. Num desses casos reais usados como exemplo, a vítima só descobriu a realidade do “presente” algum tempo depois de escapar da teia, quando começaram a chegar as dívidas do veículo para ela quitar, entre prestações não pagas e dezenas de multas! Em suma, acabou descobrindo – e da pior forma possível – que a “prova de amor” na realidade foi um bem arquitetado “presente de grego”, em que ele ficou apenas com o bônus e deixou todo o ônus para ela.

Exemplos como esse mostram de forma cabal a capacidade de uma pessoa manipuladora de usar seu poder de sedução para transferir todos os seus problemas para suas vítimas de forma deliberada e muito bem arquitetada. Suas mentes funcionam como máquinas altamente preparadas para forjar golpes travestidos de “benefícios” levados às suas vítimas, e onde não há limites para seu potencial destrutivo e nem para o que podem fazer quando traçam suas metas. Nada na vida do narcisista manipulador – absolutamente nada mesmo! – é realizado sem um propósito que o favoreça, e disso não escapam nem aqueles atos em que parecem demonstrar extrema empatia e generosidade para com outras pessoas. Sim, ele eventualmente até faz algo que realmente leva algum benefício real a alguém, tipo prestar apoio durante dificuldades e se mostrar um ouvinte atento e solidário em momentos difíceis. Mas que não se iludam os beneficiários: ele saberá muito bem como “cobrar o favor”, principalmente porque é mestre em oferecer pouco e cobrar muito em troca! E consegue ser tão habilidoso nisso para convencer até a própria mãe, acostumada a acompanhar seus golpes ao longo de uma vida inteira. Ela responderá aos que a acusarem de ser ingênua que, apesar de todas as maldades, dos conhecidos golpes e demonstrações de mau caráter de seu filho, no fundo ele tem “um bom coração”. Seu problema é não conseguir controlar seu temperamento instável e explosivo, do qual se arrepende depois. E vá tentar convencê-la de que tudo não vai além de simulação, quando ele usa seu poder de sedução para “amolecer” a própria mãe para que atue como uma espécie de aliada involuntária junto aos demais. Nessas ocasiões, vale mais deixá-la pensando que se aceitou a justificativa e recorrer de novo ao distanciamento dos fatos como estratégia de sobrevivência, ou, pelo menos, para ter aliviadas as feridas até o próximo “round”. O problema é que esse “armistício” não durará muito pois que, tão logo se veja livre da pressão do momento, o filho manipulador voltará a carga e pode impingir aos que lhe são próximos novos sofrimentos, obrigando os demais a intervir, além de retomado o ciclo interminável de conflitos.

Resumindo tudo, narcisistas não pouparão esforços para, usando o recurso da troca de favores, encontrar qualquer brecha para entrar e ocupar a posição de “permanente e infalível guardião dos fracos e dos oprimidos”. Daí estar atento para não deixar portas abertas, as frestas que ele está sempre à cata para entrar e deixar os outros na delicada posição de “endividados” por causa de seus “inúmeros e inesgotáveis favores”. E, quando você se recusar a lhe dar o que ele certamente pedirá mais à frente, fará com que você seja visto por todos como a pior e a mais ingrata das criaturas. E isso não é tudo: se você não entrar no jogo, vai ficar na linha de tiro de uma metralhadora circulatória de difamações e calúnias como pessoa a quem ele deu tudo de si e que, na hora em que precisou, não pôde contar com um mínimo de apoio, provando que o “pérfido” é você! E é quando só lhe restarão três alternativas de autoproteção: uma é não deixando nunca que ele saiba que você precisa de alguma coisa, pois que estará sempre esperando por isso; a segunda é não se deixando contaminar pelo turbilhão de acusações que terá pela frente por se mostrar “uma pessoa tão fria” e ingrata. E a terceira é manter a maior distância que possa, de modo a não deixar nenhuma brecha para ser ocupada, por mínima que se mostre, porque ele não a deixará vazia, quer você acredite nisso ou não!

Tenha sempre em mente que sua vontade nunca será levada em conta, momento algum, visto que a dele, por definição, vai prevalecer sempre. A sua vontade é um mero desdobramento do que ELE quer, e você poderá fazer tudo que deseje, desde que sua vontade seja igual à dele. Tome nota disso em seu caderninho e leia as anotações muitas vezes para não se esquecer desse detalhe. Para ele, você não é uma pessoa: é apenas um fantoche ou espelho para refletir a vontade dele até para o que diz respeito apenas a você. No seu lado mais “bonzinho”, o manipulador pode tratar a pessoa de seu foco como uma “bonequinha de luxo”, fazendo-lhe agradinhos para mostrar o quanto está preocupado em agradar ou proteger você, desde que continue se comportando como um fantoche com cérebro de “ameba desidratada”, e ele siga decidindo tudo “que é bom para você”.

Uma mão manuseando uma base de cordas de um manequim.
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Tratados todos esses assuntos, resta dizer que, se você se acha na posição de pessoa envolvida num relacionamento próximo com a pessoa manipuladora, é hora de focar aquele investimento pessoal sob forma de um trabalho ou de um respaldo familiar que você preserve como “reserva de sobrevivência”. De novo: não abra mão de sua independência pessoal e financeira sob hipótese alguma, já que, querendo ou não, convivendo com uma pessoa manipuladora, VOCÊ VAI PRECISAR DELA mais dia, menos dia! E, se não puder contar com isso, vai acabar na “rua da amargura” sem esperar por qualquer contemplação ou a menor piedade de seu “lobão” enfiado em pele de cordeiro, pois que ele é suficientemente perverso para isso.

Um sintoma que não falha na identificação de um manipulador, como é sobejamente conhecido, é o fato de que ele nunca se acha errado para pedir desculpas. Não importa o que faça, nem a gravidade da ação: o manipulador NUNCA se retrata sinceramente ou pede desculpas pelo que fez de forma autêntica e honesta. Ele sempre fará uso de uma justificativa para suas ações, e a desculpa preferencial dele será sempre o outro. Se estivermos falando de você, ele fez aquilo porque VOCÊ provocou. Ele acaba perdendo a paciência porque VOCÊ o agride, ele teve uma aventura fora porque VOCÊ não lhe dá aquilo de que precisa, e até parte para agredi-la porque é a única forma de contê-la etc., etc. Assim, ele sempre será o “Chapeuzinho Vermelho” que precisa se defender do “Lobo Mau”, pelas coisas terríveis que você faz contra ele.

Um sintoma também já claramente descrito nos tratados de Psicologia para identificar o manipulador é que ele adora se apoderar das ideias alheias. Mas apenas das melhores, é claro. As que dão errado, ele, ao contrário, buscará sempre um culpado e as devolverá rapidamente ao verdadeiro dono. Eu iria ainda além do que a mera posse de ideias: o “bom” manipulador se apossa de tudo, literalmente, de suas vítimas: dos bens, dos interesses, de sua vida pessoal etc., exceto dos amigos e das pessoas que elas tinham por perto antes dele, pois os vê como permanentes ameaças para retirar a vítima de suas garras, razão por que tratará de mantê-los tão longe quanto possível. Se não puder fazer isso por bem, o fará por mal, não tenham dúvidas. Vai criar tantos problemas com eles – ou para eles –, de modo a fazer com que eles próprios se afastem ou que lhe digam que se mantenha bem longe deles para não se contaminarem com o clima tóxico da vida da “aranha” e de sua “mosca” da vez.

Claro que isso é mais do que interessante a seus interesses, o de isolar sua “mosca” dessas “más influências”, pois aí estará removendo possíveis obstáculos – e naturalmente o serão – para que ele faça dela o que bem entenda, e a descarte depois sem receio de qualquer represália, uma vez que ainda terá que ouvir de seus amigos – e com toda razão – aquele conhecido “Não te falei?”. Muito duro isso, não é mesmo? No papel da “mosca”, você não terá nada a fazer senão se conformar de que sempre estiveram certos, mas você esteva cega demais para percebê-lo. Caso não entenda bem o porquê, ao chegar a esta parte do texto, volte à anterior, que trata do processo de sedução, de modo a entender todos os seus pormenores. Tenha em mente também que manipuladores jamais dão respostas diretas quando são questionados, principalmente para compromissos que lhes são cobrados. Eles sempre escorregam para um “Vamos ver”, “Pode ser” ou “Quem sabe?”, pois estarão sempre buscando formas de não se comprometerem com promessa alguma que já tenham feito. Assim, não fique esperando por uma resposta clara por parte dele em qualquer coisa para a qual precise de uma posição, e parta para buscar as suas próprias sem mais expectativas.

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Você pode pensar, de vez em quando, que as coisas não são tão complicadas quanto parecem, principalmente naquelas vezes em que ele “abre mão” de algo a seu favor. Pois anote esta também: ele pode até mudar algo, mas sempre que o fizer, é porque já conseguiu descobrir um interesse novo por trás da mudança. Ele percebeu que pode obter uma vantagem ainda maior deixando que você execute sua ideia do que oferecendo resistência a ela. E não será porque entendeu o seu lado, mas porque descobriu nela uma forma de resolver um problema dele mesmo. Um exemplo só para ilustrar: se ele descobriu uma nova vítima para seduzir, saber que você estará ocupada com seu trabalho será tudo de que precisa para colocar todo o foco na “mosca nova” que acabou de cair em sua teia, e você por perto seria um sério obstáculo para que o conseguisse. Então, por algum tempo, pelo menos, você irá acreditar que seu manipulador favorito “se conformou” e aceitou sua vontade de ter um trabalho, pois assim não exercerá pressão durante o tempo que precisar para seduzir sua nova vítima. Mas isso só se manterá até que consiga seu último objetivo ou resolver o problema que o incomoda naquele exato momento.

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Sobre o autor

Luiz Roberto Bodstein

Formado pela Universidade Federal Fluminense e pós-graduado em docência do ensino superior pela Universidade Cândido Mendes. Ocupou vários cargos executivos em empresas como Trimens Consultores, Boehringer do Brasil e Estaleiro Verolme. Consultor pelo Sebrae Nacional para planejamento estratégico e docente da Fundação Getúlio Vargas e do Instituto Brasileiro da Qualidade Nuclear (IBQN) para Sistemas de Gestão. Especializou-se em qualidade na educação (Penn State University, EUA) e desenvolvimento gerencial (London Human Resources Institute, Inglaterra). Atualmente é diretor da Ad Modum Soluções Corporativas, tendo publicado mais de 20 livros e desenvolvido inúmeros cursos organizacionais em suas diferentes áreas de atuação. Conferencista convidado por várias instituições de ensino superior, teve vários de seus artigos publicados em revistas especializadas e jornais de grande circulação, como “O Globo”, “Diário do Comércio” e “Jornal do Brasil”.

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