Comportamento Relacionamentos

A conturbada relação de uma aranha e sua mosca – Episódio XIII: Aprendendo a lidar com portadores do Transtorno de Personalidade Narcisista

Homem deitado no chão na beira de um lago admirando para seu reflexo na água e tentando tocá-lo com a mão
Tinxi / Shutterstock

Uma expectativa que não se deve alimentar quando falamos de narcisistas é a de ouvir palavras de admiração ou reconhecimento em relação a realizações alheias, já que estas lhes ampliam a sensação de fracasso e potencializam sua frustração enquanto pessoas. Afirmam seus pesquisadores que a vida do portador de TPN costuma ser vazia demais para que experimente vontade de descrevê-la a outrem como realmente é, pelo menos sob a ótica comum dos que encontram prazer na própria evolução, já que passam toda a existência repetindo erros que nunca corrigem.

Então é esperado que alguém com uma estrutura mental nesse formato acredite precisar destruir tudo o que vê sendo levantado em torno dele para que não se sinta tão “por baixo” das demais pessoas. No entanto seus sentimentos são bastante contraditórios uma vez que, apesar de se julgarem superiores para não precisarem competir com “os que lhe ficam tão abaixo”, não fazem nada mais do que entrar em competição com tudo e com todos, de modo a provar uma “superioridade” que nunca possuíram.

Ainda que se esforcem por parecerem felizes e realizados, narcisistas são preconceituosos, ressentidos com a vida e destituídos dos valores morais que em regra são cultivados pelas pessoas que eles desprezam, tanto porque encontram dificuldade para administrar a própria quanto por imaginar que a vida nunca foi como desejavam que fosse. Não é de se estranhar, portanto, que façam uma leitura negativa de tudo, e na cabeça deles as pessoas estão sempre “armando umas contra as outras”, quando na verdade é ele que se ocupa em preparar ardis como forma de alcançar qualquer coisa que deseje.

Por trás de um comportamento exageradamente gentil e sedutor quando olhado pelo lado público, vivem sua intimidade em constantes ataques de ira, como se o mundo lhes devesse algo, não suportando assistir ao sucesso de outros por esforço pessoal e habilidades próprias, menosprezando as ditas “atitudes de superação” de que têm conhecimento. Sendo assim, só vão experimentar sensação de prazer nos momentos em que percebem vulnerabilidade, insegurança e impotência nos que estão próximos, algo que lhe chega como um indicador de seu próprio controle e poder.

Aos que vivenciam seu cotidiano, no entanto, não escapa o fato do quanto humilham, desrespeitam e fazem com que o outro se sinta indefeso e desprovido de autoestima. E esse é seu comportamento mais típico e verdadeiro, pois que o repetem indefinidamente, tão logo encerrada a fase de sedução. Outra característica comum de sua personalidade é a de fazer com que as pessoas do seu convívio se sintam culpadas por tudo de ruim que lhe acontece, a ponto de elas se questionarem se são mesmo tão más quanto ele as faz se sentirem.

Mulher em frente a vários espelhos olhando sua aparência
Bianca Salgado / Pexels / Canva

Ao perceber, porém, que “esticando muito a corda”, pode perder o controle sobre seus relacionamentos e faz curtos acenos de paz, na tentativa de reduzir os conflitos, passando para uma postura conhecida como do morcego que morde e, ao mesmo tempo, assopra para reduzir a dor da mordida. E sua vítima conseguirá perceber, após algum tempo, ser esse o seu comportamento mais recorrente enquanto mantiver algum tipo de interesse pessoal por ela, já que se mostrará um eterno parasita que apenas troca de hospedeiro ao perceber que esgotou toda a seiva que poderia extrair dele.

Mas seu traço de personalidade mais marcante sem dúvida é o da dissimulação, algo que o fará adotar um comportamento sorrateiro e não confiável sempre que não se sentir observado mais de perto por alguém. Sabendo-se disso, a melhor atitude de autoproteção será sempre a de não confiar, muito menos expor o que ele afirma fazer quando longe de vista. E descobrindo que ele não é nem de longe parecido com a pessoa que se esforça por parecer, outra atitude segura é a de não “bater de frente”, pois essa postura funcionará como gatilho para um lado mais violento que nunca se sabe até onde poderá chegar.

A melhor atitude de autoproteção da vítima que tomou consciência da verdadeira natureza do narcisista é não deixá-lo perceber que finalmente despertou do “sonho de Cinderela” para o pesadelo da “gata borralheira” pois, pelo lado dele, exatamente aí foi erguido o muro que separa o mundo da “Bela Adormecida e seu príncipe encantado” daquele em que passarão a viver uma história bem mais próxima da realidade, representada nas figuras de “a Bela e a Fera”.

Mulher sorrindo olhando para sua imagem no espelho
pixelshot / Canva

Atingido esse ponto, o recomendável é que procure ajuda e não sucumba à ilusão de uma “segunda chance”, pois que ele, em definitivo, não vai mudar! Esta parte da história de ambos, inclusive, lembra bem a conhecida fábula do escorpião que pede carona à tartaruga para atravessar o rio em suas costas, prometendo que nunca picará seu benfeitor, uma vez que estará condenando ambos à morte certa. Sabe-se que, apesar disso, o escorpião enterrará o ferrão na tartaruga em meio à travessia, para morrerem ambos tão logo o primeiro assuma que o fez “por ser essa a sua natureza”, então não conseguiu controlar seu ímpeto.

Então não adianta ficar justificando as maldades do outro por seu passado sofrido, suas fraquezas de caráter, sua educação, o álcool ou qualquer outro problema a que se viu sujeito. Bastaria se concentrar no fato de que absolutamente nada legitima a falta de respeito e os maus-tratos físicos ou psicológicos impostos por uma pessoa sobre outra. E isso vale tanto no âmbito familiar, no profissional ou para qualquer outro modelo de relação.

Seria certo afirmar que algumas pessoas têm um talento especial para se envolver nesse tipo de relação tóxica com narcisistas manipuladores? Infelizmente isso é verdadeiro, e a psicologia dá notícias de sádicos e masoquistas envolvidos em relacionamentos tóxicos que conseguem se estender por muito tempo. Mas também é certo que quem o admite precisa de ajuda não só pelo olhar da vítima, mas pelo de pessoa com algum tipo de distúrbio que precisaria ser tratado, de modo a não conduzi-la a um caminho sem volta.

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Apesar de a felicidade ser aquilo pelo qual a maioria procura, tais desvirtuamentos não são assim tão raros e podem dar motivo a grandes tragédias quando subestimados por quem os identifica. O importante é se manter atento aos sinais, aquelas luzinhas piscantes que passam do amarelo para o vermelho quando alguma fronteira é ultrapassada, e o fato nunca é apreciado como de somenos importância.

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Sobre o autor

Luiz Roberto Bodstein

Formado pela Universidade Federal Fluminense e pós-graduado em docência do ensino superior pela Universidade Cândido Mendes. Ocupou vários cargos executivos em empresas como Trimens Consultores, Boehringer do Brasil e Estaleiro Verolme. Consultor pelo Sebrae Nacional para planejamento estratégico e docente da Fundação Getúlio Vargas e do Instituto Brasileiro da Qualidade Nuclear (IBQN) para Sistemas de Gestão. Especializou-se em qualidade na educação (Penn State University, EUA) e desenvolvimento gerencial (London Human Resources Institute, Inglaterra). Atualmente é diretor da Ad Modum Soluções Corporativas, tendo publicado mais de 20 livros e desenvolvido inúmeros cursos organizacionais em suas diferentes áreas de atuação. Conferencista convidado por várias instituições de ensino superior, teve vários de seus artigos publicados em revistas especializadas e jornais de grande circulação, como “O Globo”, “Diário do Comércio” e “Jornal do Brasil”.

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