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Episódio VIII – A conturbada relação de uma aranha e sua mosca: Aprendendo a lidar com portadores do Transtorno de Personalidade Narcisista

Mulher usando uma coroa gesticulando com as mãos para cima representando o narcisismo
Red Fox studio / Shutterstock

A primeira coisa que se precisa entender sobre narcisistas é que eles se comportam como superiores em relação a todas as demais pessoas. Na cabeça deles todos os demais, sem exceção, só existem para que eles possam cumprir seus propósitos e exercitar seu poder, seja por bem (enquanto elas permitirem) ou por mal (caso oponham alguma resistência).

Por essa razão, fazem uso de todo um arsenal de recursos e estratégias para conseguir seus objetivos, apresentando um rol criativo e bastante diversificado de formas de abordagem para se adequarem a todo tipo de pessoa com quem se deparam, e extrair delas tudo o que lhes possa servir para algum propósito. Como seu foco é poder e prazer próprio, eles avaliam suas vítimas pelos traços de personalidade, pelos bens que possuem ou pelos serviços que lhe possam prestar, e passarão toda sua vida como “sanguessugas”, tentando tirar delas até a última gota de sangue, uma vez que não faz parte de seu perfil despender esforço próprio para nada.

Se podem usufruir o que os outros já trazem pronto para atendê-los, por que “suar a camisa” para obterem o que querem? Nesse quesito, é preciso ter em mente um outro aspecto inalterável de sua personalidade: eles nunca estarão satisfeitos com o que possuem e com o que já conseguiram, permanecendo todo o tempo atrás de outras. Na visão deles, não há limite para o que possam conseguir, razão para se mostrarem incansáveis nas metas que traçam, apenas substituindo o objetivo daquele momento por um novo. Daí porque suas vítimas se sucedem interminavelmente, já que nenhuma poderá atendê-los em tudo, e intimamente eles sabem que precisam reunir muitas para suprir todas as facetas de suas necessidades, que são incessantes porque jamais se satisfazem com o que já têm. O problema é que eles as enxergam como algo grandioso e muito vasto, quando na realidade é apenas uma: a de se manter no domínio de tudo e de todos. E nisso se revela o lado sombrio e torturante de sua personalidade: eles nunca atingirão o ponto de realização com o que já conseguiram, achando sempre que ainda falta alguma coisa. Então pode-se entender por que suas vidas são uma sequência interminável de novas pessoas, novos desejos, novas conquistas, arrastando nesse furacão todos aqueles que os acompanham de perto e pagam o preço de sua eterna insatisfação.

Como sua maior obsessão é o exercício do poder, precisam sentir-se todo o tempo no comando de tudo que os rodeia e, por essa, razão tão logo tenham atingido total domínio sobre a “bola da vez”, partirão imediatamente para a próxima conquista, por causa de sua característica indócil e eternamente insatisfeita. Sem poder, eles se sentem como se não existissem e sua vida não fizesse qualquer sentido, daí porque precisam perceber-se no comando de tudo e dominando a todos que os cercam para se sentirem vivos!

Homem narcisista abraçando a si mesmo
Khosro / Canva

Observadores e detalhistas, eles têm uma capacidade altamente desenvolvida para entender rapidamente o perfil de suas vítimas e escolher o modelo infalível que fará com que se dobrem aos seus planos, mudando sempre de tática toda vez que percebem que uma não funcionou e é preciso partir para outra, ou quantas forem necessárias até que obtenham êxito no resultado esperado.

Apesar da forma dramática e quase sempre cruel de atingir seus propósitos, nosso narcisista tecnicamente não pode ser equiparado a um bandido, que até mata para tirar do outro aquilo de que precisa. Ele o faz por uma necessidade orgânica de colocar o mundo a seu serviço, sem que ele próprio entenda o porquê. Em seu inconsciente, ele consegue perceber o estrago que faz na vida dos outros, mas, como não pode arrancar essa necessidade de dentro dele, seus momentos de consciência do mal que pratica nunca o impedirão de continuar substituindo um desejo por outro. Acontece então de sofrer apenas no lapso de momento em que percebe a tragédia que produziu, mas no seguinte enterra tudo como se nunca tivesse acontecido e parte para realizar um desejo novo.

Aqui precisamos entender também a natureza deste seu “sofrimento”: como ele não traz dentro de si o mecanismo da empatia, ou seja, não consegue se identificar com qualquer pessoa e sentir o estrago que poderia até destruí-las, ele irá sofrer não por causa do mal que fez, mas pela perda que lhe será imposta por suas maldades. Para se proteger das pessoas, acaba se afastando, ou tomando providências que retiram dele as regalias que obtém com o concurso delas, e ele então revela sua outra face surpreendente de arrependimento, tristeza e até remorso “cenográfico”. Não se pode dizer que tais expressões emocionais são 100% falsas, pois que, naquele momento, ele poderá vivenciá-las de verdade, mas pelas perdas que lhe foram impostas, e não pelo sofrimento que impôs aos outros, pois que não consegue sentir empatia por quem quer que seja para colocar-se no lugar dos atingidos. O narcisista não é exatamente um malfeitor tomado pela vontade de produzir mal aos outros, mas também nele não existe o freio da moralidade. Exemplificando, uma pessoa íntegra fará uso de ações lícitas a partir de seu senso moral; o bandido cometerá ilícitos ao substituir o moral pelo imoral; mas, como a moralidade é inexistente na personalidade psicopática do narcisista, suas ações são amorais, ou seja: ele navega entre o moral e o imoral sem se deter na diferença entre um e outro. Sua percepção de “certo” e “errado” não se aplica ao que ele leva ao outro, mas ao que recebe em troca, momento em que identifica o “errado” apenas pelas sanções que lhe são impostas.

Mulher ao volante tirando uma selfie no carro simbolizando o narcisismo
Guilio Fornasar / Getty Images / Canva

Mas, enquanto as sanções fazem com que a pessoa normal não deseje repetir o erro, o narcisista os repete indefinidamente, pois não terá força para modificá-lo em coisa alguma. A diferença dele para o indivíduo imoral é que este último poderá, em algum momento, perceber que não conseguirá se reerguer se continuar agindo da forma errada, podendo optar por mudar sua atitude; mas, no caso do psicopata/narcisista, ele não irá mudar, simplesmente porque não vê nada errado no que faz: irá sempre legitimar as ações mais pérfidas ou os maiores ilícitos que irá cometer partindo da premissa de que “tem direito” a ter tudo que quer, e o mundo é o verdadeiro malfeitor quando não lhe dá livre acesso ao objeto de seus desejos. Então não é de estranhar que atropele todas as regras e cometa toda sorte de ilegalidades, elegendo como inimiga qualquer pessoa que tente impedi-lo, ou simplesmente não facilite a consecução do objetivo que naquele momento traçou para si.

Como já explicado, ao estudar o perfil de quem poderá suprir esse objetivo, ele se norteia pelo seu senso de poder, comparando-o como o que percebe nas demais pessoas. Assim, se ele se depara com alguém que acredite exercer um poder tão “real” quanto o dele, a estratégia adotada será a sedução. Ele irá se apresentar como a pessoa mais perfeita que já pisou a face do planeta para conquistar esse alguém, e retê-lo em sua teia até atingir tudo que essa pessoa lhe poderá proporcionar em recursos ou servidão. Se, no entanto, ele mensura o “nível de poder” do outro como inferior ao seu, então não terá grandes preocupações em mostrar-se simpático além dos primeiros momentos, e logo revelará sua face arrogante para impor-se pela força e intimidação. Daí porque as pessoas que estiverem em posição social ou profissional inferior à dele logo sentirão o peso de sua prepotência e autoritarismo, quando então as tratará como inferiores, mesmo que não tenha vínculos reais com elas. A tendência é que tente subjuga-las pelo medo e intimidação, como a da autoridade que faz uso da conhecida estratégia do “sabe com quem está falando?”, para mostrar-se inatingível por alguém tão “reles”, postura típica de quem se vale da “carteirada” como forma de impor sua força sobre outra mais vulnerável. É comum que o trato com as pessoas passe por três fases bem características: antes de conseguir que façam o que ele quer, ele se mostra encantador e amigo; depois que consegue – principalmente se é algo pontual –, ele troca a “amizade” pelo desprezo, e, caso exerça alguma ascendência ou poder de mando, a atitude passa a ser de constrangimento e até de humilhação.

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Para finalizar, nunca se espere que as promessas de mudança e demonstrações de arrependimento ou remorso irão se manter além do tempo necessário para atingir o último propósito, ou apenas o suficiente para repor a perda mais recente. Tão logo retomadas as rédeas da situação, tudo isso será esquecido, pois que em nenhum momento se apresentou como intenção real de ser melhor para o outro conforme afirmado no momento da crise, em que ele se via “no olho do furacão”. Tão logo a tempestade passe, que não reste qualquer dúvida: o horizonte vai começar a escurecer, e nova borrasca irá tomar forma naquele “céu de brigadeiro”, para desabar com toda força sobre a cabeça dos incautos. A solução para que não se transformem em um círculo vicioso permanente é somente uma: a distância, uma vez que esperar que uma paz duradoura aconteça por parte dele é tentar escapar da panela para cair no fogo.

Acompanhe a série:

Você está no episódio VIII

Sobre o autor

Luiz Roberto Bodstein

Formado pela Universidade Federal Fluminense e pós-graduado em docência do ensino superior pela Universidade Cândido Mendes. Ocupou vários cargos executivos em empresas como Trimens Consultores, Boehringer do Brasil e Estaleiro Verolme. Consultor pelo Sebrae Nacional para planejamento estratégico e docente da Fundação Getúlio Vargas e do Instituto Brasileiro da Qualidade Nuclear (IBQN) para Sistemas de Gestão. Especializou-se em qualidade na educação (Penn State University, EUA) e desenvolvimento gerencial (London Human Resources Institute, Inglaterra). Atualmente é diretor da Ad Modum Soluções Corporativas, tendo publicado mais de 20 livros e desenvolvido inúmeros cursos organizacionais em suas diferentes áreas de atuação. Conferencista convidado por várias instituições de ensino superior, teve vários de seus artigos publicados em revistas especializadas e jornais de grande circulação, como “O Globo”, “Diário do Comércio” e “Jornal do Brasil”.

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